Crowdfunding Imobiliário é um mecanismo de financiamento coletivo para um empreendimento imobiliário

Este texto é nosso segundo artigo de uma série sobre a relação entre o mercado de capitais e o mercado imobiliário (e o desenvolvimento urbano, por extensão).

No primeiro artigo tratamos dos Fundos de Investimento Imobiliário - FII, uma comunhão de recursos destinados à aplicação em empreendimentos imobiliários que é um instrumento que representa uma simbiose entre o mercado imobiliário e o mercado de capitais.

Neste artigo trataremos de Crowdfunding Imobiliário, que é uma alternativa de financiamento de empreendimentos imobiliários (e de investimento) relativamente nova no Brasil, mas já bastante conhecida em outros países.

O que é Crowdfunding Imobiliário?

Sumário do artigo

Introdução

Como já tratamos no artigo anterior desta série, o mercado imobiliário é o mercado do setor imobiliário, que é o setor secundário (atividades industriais) da economia que lida com a produção e a comercialização de bens imóveis.

Estão entre os principais agentes do mercado imobiliário, as imobiliárias, os bancos que concedem diferentes tipos de crédito imobiliário, companhias de securitização, companhias incorporadoras, companhias construtoras, órgãos públicos e os profissionais da área, além de outras instituições, como plataformas eletrônicas de crowdfunding imobiliário (ou investimento participativo) por exemplo, como veremos neste texto.

O mercado de capitais, por sua vez, é o mercado onde são negociados títulos de emissão de empresas e viabiliza o processo de capitalização destas empresas ao dar liquidez a estes títulos, que são chamados valores mobiliários (PINHEIRO, 2019), e serve para alguns propósitos, como permitir que as empresas obtenham recursos para financiar seus projetos de investimento.

Como também vimos no artigo anterior desta série, existem diferentes tipos de valores mobiliários e os mais conhecidos são Ações, Debêntures, Derivativos e Fundos de Investimento.

Um conjunto de valores imobiliários específicos viabilizam a interface entre o mercado de capitais e o mercado imobiliário, tais como Fundos de Investimento Imobiliário - FII, Certificados de Recebíveis Imobiliários - CRI, Letras Hipotecárias, Letra de Crédito Imobiliário - LCI e Certificados de Potencial Adicional de Construção - CEPAC, além de outros valores mobiliários e instrumentos tais como Títulos de dívida, Contratos de Mútuo, Cédulas de Crédito Bancário - CCB e Certificados de Depósito Bancário Vinculado - CBDV que, estruturados a partir de Palaformas de Crowdfunding Imobiliário, por exemplo, também viabilizam esta interface.

Crowdfunding

Crowdfunding é um termo em inglês que significa, em tradução livre, financiamento coletivo. Vem da união de duas palavras: crowd, que significa grupo de pessoas (ou algo próximo disso) e funding, que significa financiamento.

O objetivo é reunir um grupo de pessoas para financiar um determinado projeto ou idéia, uma espécie de “vaquinha” intermediada por uma plataforma digital.

O crowdfunding em si já é bastante conhecido no Brasil, muito utilizado para viabilizar projetos de tecnologia, socioculturais ou outros. Nesses casos, geralmente não se trata de um investimento, e quem contribui com esse tipo de projeto está fazendo uma espécie de doação com o objetivo de que a ideia saia do papel, muito frequentemente recebendo algum brinde ou recompensa, eventualmente o próprio produto viabilizado.

Existem diversas plataformas de crowdfunding bastante conhecidas, como a estadunidense Kickstarter e a brasileira Catarse, por exemplo.

Crowdfunding Imobiliário

O Crowdfunding imobiliário, por sua vez, é um tipo específico de crowdfunding de investimento, cujo objetivo é financiar um empreendimento imobiliário, uma incorporação imobiliária mais especificamente, através da captação de recursos de um grupo de investidores, intermediada por uma plataforma digital.

É também um investimento, com uma remuneração geralmente atrelada ao Valor Geral de Vendas - VGV do empreendimento financiado.

Do ponto de vista do incorporador, sobretudo em negócios imobiliários de pequeno porte, o crowdfunding tem o potencial suprir uma lacuna, uma vez que as linhas de crédito tradicionais costumam ser caras, burocráticas e não cobrem etapas importantes da incorporação, como início de obras, marketing, intermediação e comercialização.

Isto porque o financiamento para construção de imóveis comerciais e residenciais no Brasil só pode ser utilizado para despesas diretamente ligadas à produção das unidades, cobre apenas até 80% do custo direto de construção e o dinheiro é liberado pela instituição financeira conforme o andamento da obra, sendo que a primeira parcela só é liberada com, no mínimo, 15% dos serviços executados e 30% das unidades vendidas.

Neste sentido, um financiamento parcial utilizando o mecanismo do Crowdfunding Imobiliário pode ajudar a fechar este gap, sobretudo para pequenas incorporadoras.

Do ponto de vista do investidor, o Crowdfunding Imobiliário é um alternativa de diversificação de investimentos que permite a aplicação no setor imobiliário a com aportes mínimos pequenos, frequentemente a partir dse R\$ 1.000,00.

Existem dois tipos de Crowdfunding de Investimentos, os de Dívida (ou lending) e os de Equity (COSTANZO, 2019).

No formato de equity o investidor se torna “sócio” do negócio ou projeto financiado, enquanto no de dívida ele é um credor, emprestando dinheiro com juros.

No Crowdfunding Imobiliário no Brasil o modelo utilizando em quase 100% dos casos é o de dívida.

Funcionamento

Em linhas gerais, o processo de Crowfunding Imobiliário funciona a partir de uma plataforma digital de investimento participativo, como acontece com outras modalidades de crowdfunding. Nesta plataforma o empreendedor incorporador faz uma espécie de anúncio do seu projeto com o objetivo de captar recursos para ele ser financiado.

Após o lançamento da campanha de captação há um período de arrecadação em que o projeto fica disponível para investimentos, acumulando recursos até conseguir alcançar a meta estabelecida. Qualquer pessoa física pode ser um investidor.

As condições de cada captação variam de acordo com o projeto disponibilizado, a incorporadora responsável e a plataforma utilizada. Além disso, esses projetos possuem diferentes prazos, modalidades de pagamento e rentabilidade.

As plataformas digitais que realizam a intermediação do processo fazem a análise e seleção dos empreendimentos e desenvolvedores que pretendem captar recursos, além de estruturar a oferta em conjunto com os empreendedores.

Os critérios desta análise podem variar, mas em geral envolve o seguinte:

  • Análise da empresa emissora

    • Histórico

      Análise de projetos passados e já concluídos, seus resultados e a experiência da empresa com projetos similares;

    • Saúde Financeira

      Avaliação dos documentos e registros financeiros da empresa;

    • Referências

      Mensuração da reputação da empresa no mercado.

  • Análise do projeto

    • Estudo de viabilidade econômica

      Avaliação da viabilidade econômica do projeto, considerando diferentes cenários de vendas e valores;

    • Estudo de mercado

      Consideração do potencial de vendas do projeto frente às condições de mercado;

    • Projeto arquitetônico

      Projetos que sejam capazes de atrair compradores com facilidade.

    • Documentos e aprovação

      Documentação do empreendimento, como alvará para construção, registro de incorporação e outros documentos relativos ao projeto e terreno, além dos títulos de propriedade.

  • Análise do financiamento

    • Definição de garantias

      Avaliação de possíveis garantias que a empresa e/ou sócios podem oferecer para o investidor.

    • Execução de garantias

      Caso seja necessário executar uma garantia tudo deve estar explicitamente elencado no contrato de investimento.

    • Definição dos juros

      Cálculo dos juros a serem cobrados da emissora para remuneração dos investidores, que devem levar em conta o risco do projeto, o prazo, as taxas do mercado e a etapa em que o empreendimento se encontra.

Os investidores, por sua vez, para participar do crowdfunding imobiliário, devem se cadastrar em uma plataforma digital de investimento participativo que fará a conexão entre eles e os projetos das incorporadoras.

Nas plataformas o investidor encontrará a descrição, a disponibilidade e o valor das “cotas”.

Após o aporte dos investidores, o valor arrecadado fica em uma conta de titularidade da plataforma até o fim do prazo de captação. Então, caso a meta seja alcançada, o recurso é repassado para a incorporadora responsável pelo projeto.

O financiamento pode se dar por meio de um Contrato de Mútuo, ou seja, contrato de empréstimo entre investidor e incorporador ou via um título de renda fixa vinculado a um empréstimo entre a incorporadora e uma instituição financeira, conforme um dos dois modelos regulamentados possíveis, como veremos adiante.

Em ambas as estruturas de investimento, o retorno terá um percentual acima do valor investido, uma vez que é qualificado como empréstimo sobre os quais incidem juros.

Algumas ofertas também podem ter uma remuneração mínima garantida baseada no CDI ou outro indicador e estabelecer um retorno adicional variável ligado ao VGV do empreendimento, por exemplo.

Regulamentação

No Brasil o sistema de Crowdfunding Imobiliário passou a ser especificamente regulado com a publicação da Instrução CVM 588, de 13 de julho de 2017, que dispõe sobre a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte realizada com dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo.

A CVM é uma autarquia vinculada ao Ministério da Economia que tem o objetivo de fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil.

As Instruções CVM são atos expedidos pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM para regulamentar matérias do mercado de capitais previstas nas Leis 6.385/76 e 6.404/76.

Todavia parte das Ofertas intermediadas pelas plataformas de Crowdfunding Imobiliário utilizam um modelo alternativo, que envolve financiamento coletivo com o intermédio de umainstituição financeira, e é regulado pela Resolução nº 2.921 do Banco Central do Brasil, de 17 de janeiro de 2002, que dispõe sobre a realização de operações ativas vinculadas pelas instituições financeiras que especifica, com base em recursos entregues ou colocados à disposição da instituição por terceiros.

Instrução CVM 588

A Instrução CVM 588 define Crowdfunding de Investimento como:

Captação de recursos por meio de oferta pública de distribuição de valores mobiliários dispensada de registro, realizada por emissores considerados sociedades empresárias de pequeno porte nos termos desta Instrução, e distribuída exclusivamente por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo, sendo os destinatários da oferta uma pluralidade de investidores que fornecem financiamento nos limites previstos nesta Instrução.

Os objetivos principais da CVM com a Instrução foi estabelecer um limite máximo de captação, destinar este mecanismo para empresas de pequeno porte, sendo uma alternativa de financiamento para o pequeno incorporador, e limitar o risco dos investidores.

Neste sentido, os requisitoas para dispensa de registro da oferta são os seguintes:

  • Valor máximo de captação de R\$ 5 milhões;
  • Prazo máximo de captação de 180 dias;
  • Seguir os procedimentos especificamente definidos;
  • Garantir período de desistência de no mínimo 7 dias para o investidor;
  • O emissor deve ser Sociedade Empresarial de Pequeno Porte (possuir receita líquida anual de até R\$ 10 milhões no exercício anterior à captação);
  • Os recursos captados não podem ser destinandos para outras finalidades, tais como fusão, incorporação, incorporação de ações e aquisição de participação em outras sociedades, aquisição de títulos e valores mobiliários de emissão de outras sociedades ou concessão de crédito a outras sociedades.

Pode ser estabelecido um valor mínimo e máximo como meta para a captação, desde que o valor mínimo corresponda a 2/3 do valor máximo.

A Instrução CVM 588 mbém estabelece um limite máximo de R\$ 10.000 por investidor por projeto, com algumas exceções especificadas.

Neste modelo, o financiamento se dá por meio de um Contrato de Mútuo, ou seja, um contrato de empréstimo entre o investidor e o incorporador, onde são estabelecidas as condições do empréstimo.

É relevante destacar que, embora o processo seja regulado pela CVM, estas ofertas são dispensadas de registro e não são analisadas previamente pela autarquia. A Instrução CVM 588 determina, inclusive, que as plataformas apresentem o seguinte aviso em destaque em sua página principal e em seus aplicativos:

As sociedades empresárias de pequeno porte e as ofertas apresentadas nesta plataforma estão automaticamente dispensadas de registro pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM.

A CVM não analisa previamente as ofertas.

As ofertas realizadas não implicam por parte da CVM a garantia da veracidade das informações prestadas, de adequação à legislação vigente ou julgamento sobre a qualidade da sociedade empresária de pequeno porte.

Antes de aceitar uma oferta leia com atenção as informações essenciais da oferta, em especial a seção de alertas sobre riscos.

Resolução BACEN 2.291

As ofertas também podem, alternativamente, ser estabelecidas de acordo com a Resolução nº 2.921 do Banco Central do Brasil. De acordo com esta regulamentação, o financiamento é feito através de um título de renda fixa e fica vinculado a um empréstimo da incorporadora com uma instituição financeira.

Trata-se de uma operação ativa vinculada, que é efetivada por meio de Certificado de Depósito Bancário Vinculado - CDBV, que é um título de renda fixa em que o banco determina o investidor como credor de parte de uma dívida específica da incorporadora com a instituição.

A Resolução faculta aos bancos múltiplos, aos bancos comerciais, à Caixa Econômica Federal, aos bancos de investimento, às sociedades de crédito financiamento e investimento e às sociedades de arrendamento mercantil a realização de operações ativas vinculadas, com base em recursos entregues ou colocados à disposição da instituição financeira contratante por terceiros.

Neste modelo o incorporador toma recursos emprestados em uma instituição financeira, emitindo uma Cédula de Crédito Bancário - CCB em favor desta instituição financeira.

Então, a instituição financeira emite um Certificado de Depósito Bancário Vinculado - CDBV que é vinculado a esta dívida do empreendimento específico.

O investidor, por fim, adquire este CDBV da instituição financeira.

Neste caso não existe o limite máximo de R\$ 5 milhões para cada captação e a incorporadora emissora não precisa ser uma empresa de pequeno porte.

Como este modelo permite expandir os limites do mecanismo e requer o intermédio de uma instituição financeira, muitas plataformas de Crowdfunding se tornaram, também, correspondentes bancários, no sentido de intermediarem financiamentos atraves de CDBV.

Plataformas

As plataformas eletrônicas de investimento participativo fazem a conexão entre o incorporador tomador de recursos e o investidor. Embora não tenham o papel de gestão ativa, fazem uma análise inicial e seleção, ajudam a estruturar a oferta e realizam a intermediação.

Embora o Crowdfunding Imobiliário ainda seja uma relativa novidade ainda em processo de consolidação no Brasil, até janeiro de 2021 já haviam 35 plataformas registradas na Comissão de Valores Mobiliários - CVM, tais como a Inco, a Vangardi, a Glebba e a Urbe.me, que foi a primeira plataforma brasileira de Crowdfunding Imobiliário.

Nos Estados Unidos e também na Europa o mercado é muito maior e mais consolidado, existem centenas de plataformas, dentre as quais destacamos a Sharestates, a Prodigy Network, a Estateguru, a Housers e a The House Crowd, por exemplo.

Tamanho do mercado de Crowdfunding Imobiliário

Segundo a CVM, as plataformas de Crowdfunding Imobiliário entregaram, em 2020, o seu relatório anual de atividades relativo ao ano de 2019 e revelou que foram captados um total de R\$ 59 milhões em 2019, o que significa um aumento de 28% em relação aos R\$ 46 milhões de 2018. Ainda é uma outra ordem de grandeza em relação aos cerca de R\$ 140 bilhões do mercado de Fundos de Investimento Imobiliário - FII, por exemplo, mas tem crescido significativamente, principalmente a partir de 2017 com a regulamentação pela CVM.

Diferenças entre Crowdfunding Imobiliário e FII

Os Fundos de Investimento Imobiliário - FII são fundos compostos de investimentos imobiliários, em imóveis físicos ou em aplicações financeiras do setor imobiliário, como LCI e CRI por exemplo. Nesse tipo de investimento, o investidor compra cotas de valores iguais que representam uma pequena parte do patrimônio do FII.

O FII possui um gestor que controla o fundo, fazendo as aplicações e modificações necessárias no patrimônio do fundo.

Já no crowdfunding imobiliário o investidor pode investir em incorporações imobiliárias específicas e quase invariavelmente no modelo dívida, ou seja, o investidor não se torna um acionista ou cotista do empreendimento, mas um credor cuja remuneração em geral está atrelada ao resultado econômico do projeto.

Conclusão

Neste artigo abordamos as principais características do Crowdfunding Imobiliário, um mecanismo relativamente novo para financiamento de empreendimentos imobiliários.

Nos demais textos desta série abordaremos outros instrumentos do mercado de capitais utilizados pelo mercado imobiliário além outros aspectos e reflexões a respeito da relação entre o mercado de capitais e o mercado imobiliário.

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Principais referências