O centro do Rio possui baixíssima densidade residencial. Neste artigo apresentamos um insight sobre preços de imóveis

Este é o segundo artigo da série sobre o Plano urbano Reviver Centro, lançado pela prefeitura do Rio neste início de 2021 com o objetivo de estimular a recuperação social, econômica e urbanística do Centro do Rio.

No primeiro artigo eu fiz algumas reflexões a respeito do plano, através do desenvolvimento das minhas próprias respostas, como arquiteto e urbanista e morador do centro do Rio, à primeira fase da pesquisa na plataforma de escuta e consulta pública criada pela prefeitura para acompanhamento do plano.

Neste texto, além de resumir os resultados divulgados desta primeira fase da pesquisa, eu tomo como eixo as questões da segunda fase da pesquisa, que teve 3.725 participantes e elaboro um pequeno insight sobre preços de imóveis.

Plano Urbano Reviver Centro: Um insight sobre preços de imóveis

Sumário do artigo

Introdução

A primeira fase da pesquisa contou com 8 questões que colhiam, em certo sentido, o perfil dos participantes em relação ao centro, e gerou uma espécie de painel de intenções e expectativas dos pouco mais de 5000 participantes em relação ao centro do Rio e ao plano que visa recuperá-lo.

A segunda fase da pesquisa parece ter um caráter mais opinativo, com o objetivo de extrair a percepção dos participantes com relação às condições de infraestrutura, de manutenção, e mesmo de mercado do centro.

Em um dos blocos desta segunda fase da pesquisa são feitas questões a respeito da impressão dos participantes a respeito de preço de imóveis no centro do Rio, em termos absolutos e relativos, e a este respeito desenvolvemos uma pequena análise de dados a partir de pouco menos de 900 amostras.

Resultados na primeira fase da pesquisa

5.056 pessoas participaram da primeira fase da pesquisa a respeito do Plano Urbano Reviver Centro. A maior parte dos participantes, 2.248 deles, tinha entre 30 aos 49 anos de idade, 1.140 participantes tinham entre 18 e 29 anos, 844 entre 50 e 59 anos, e 607 participantes tinham 60 anos ou mais.

Pouco mais da metade dos participantes, 52,06%, afirmaram que morariam na área central, caso tivessem a oportunidade. 1.994 pessoas informaram que viveriam no bairro Centro, 1.340 participantes responderam que viveriam na Lapa, 659 na Gamboa, 510 no bairro da Saúde e, por fim, 378 pessoas viveriam no Santo Cristo.

A respeito do que deveria ser encarado como prioritário para melhorar na região, 19,17% responderam segurança, 13,14% transporte público, 12,79% mencionaram Saúde e Educação, 12,63% Acessibilidade, 10,77% Esporte e Lazer, 9,41% Comércio, 9,10% Meio Ambiente, 8,82% Cultura e, por fim, 4,19% marcaram outros serviços.

Além disso, 51,36% informaram que não se sentem seguros circulando a pé na área. 77,63% afirmou que não utilizaria carro próprio se vivesse no Centro. 29,35% dos participantes disseram que usariam bicicleta como meio de transporte e outros 55,62% afirmaram que usariam bicicleta caso houvesse investimento em ciclovias.

Segunda fase da pesquisa

A segunda fase da pesquisa disponibilizada na plataforma de escuta e consulta pública do Plano Reviver Centro divide-se em quatro blocos.

O primeiro bloco busca construir um perfil de moradia dos participantes da pesquisa, com bairro de residência, situação de emprego, número de moradores e situação de propriedade do imóvel.

O segundo bloco, intitulado Moradia no Centro, parece querer traçar um perfil da percepção dos participantes a respeito tanto de mercado quanto de patrimônio cultural e apresenta algumas perguntas interessantes a respeito de preços de imóveis, a partir das quais desenvolvemos um insight mais adiante neste artigo. São 7 questões neste segundo bloco, a primeira é sobre o participante já ter pensado em morar no centro, quase uma questão repetida.

A segunda questão pede que o participantes diga quanto acha que vale um imóvel de 2 quartos no centro do Rio. Na terceira questiona-se se, por este mesmo preço, o participantes preferiria uma casa em Bangu ou Campo grande, uma quitinete no Catete ou Glória, um imóvel de 2 quartos em uma favela da zona Sul (a pesquisa usa o termo “comunidade”, pessoalmente eu não considero Favela um termo pejorativo), ou o imóvel de 2 quartos no centro.

Na quarta questão deste bloco, o participante deve dizer se moraria em um imóvel construído no século XIX ou início do século XX no centro histórico. Na quinta questão, o participante deve dizer se tem conhecimento sobre a existência de isenção de IPTU para imóveis protegidos (ou se já tinha este conhecimento antes de ler o enunciado, esta é mais uma informação que uma questão). A sexta questão trata do conhecimento do participante sobre momentos históricos no centro e na sexta questão ele deve responder se acha importante a manutenção destes monumentos.

O terceiro bloco trata da infraestrutura do centro em três questões. A primeira busca a percepção do participante a respeito das condições de manutenção de nove tipos de serviços e equipamentos. A segunda questão pede que o participante aponte um investimento prioritário dentre dez opções. E por fim, na terceira questão o participante deve dizer que tipo de lazer considera que o centro necessita.

O quarto bloco apresenta seis questões de tema variado. A primeira pergunta qual a situação da cidade em relação a como estava há 5 anos atrás. A segunda pede que o participante cite três motivos que dificultam o uso residencial do centro. A terceira questiona se o participante conhece algum edifício importante do centro. Na quarta pede-se a opinião do participante sobre qual é a área mais importante da cidade e na quinta sobre qual a área mais rica da cidade. A sexta questão pede apenas uma opinião, em 255 caracteres, que vou excedê-los aqui.

Infraestrutura, patrimônio cultural e etc.

Não me deterei muito questão a questão nesta segunda fase da pesquisa, pois isto repetiria as reflexões já colocadas no artigo anterior e colocações pouco mais elaboradas a respeito dos diferentes aspectos do plano serão feitas em artigos subsequentes. Mas deixo minhas respostas sucintamente, e de trás pra frente:

Conheço e acredito que qualquer pessoa conheça “algum” edifício importante do centro (era para citá-lo? o enunciado ficou confuso), que é, em sentido lato, a área mais importante e mais rica da cidade (estimo que a maior parcela citará a zona sul).

Pensando rápido, os principais motivos que dificultam o uso residencial do centro são a sensação de segurança, a oferta de imóveis (o que por sua vez tem a questão fundiária como uma dependência) e fatores culturais e de imagem, não necessariamente nesta ordem.

Acredito que a cidade esteja de fato um pouco pior do que há cinco anos atrás, aspectos relacionados a zeladoria urbana e ordenamento de comércio de rua estão entre os “destaques negativos” da última administração municipal.

Imagino que o centro, como qualquer área que se pretenda residencial, precisa de todos os tipos de lazer mas, para citar uma ação estratégica dentre as opções listadas (praças, quadras de esporte, cinema, teatro, centro cultural, eventos e feiras de rua), diria que promover e fomentar eventos e feiras de rua podem ser ações complementares muito importantes para o sucesso do Reviver Centro, sobretudo em locais que costumam ser mais esquecidos, e que são lugares fantásticos, como o Campo de Santana, por exemplo.

Entre nova iluminação pública, reordenamento de comércio de rua, melhor sinalização das ruas, maior acessibilidade para cadeirantes e carrinhos de bebê, parques “para famílias”, hortas comunitárias, jardins, ciclovias e bicicletários, espaços para pedestres, e mercado público, eu priorizaria o investimento, pelo menos inicialmente, em reordenamento de comércio de rua (o que é mais uma ação estratégica do que um “investimento” propriamente), um mercado “público”, que não precisa ser necessariamente público, também parece uma idéia promissora.

Entendo que que as condições de manutenção de todos os equipamentos e serviços listados no bloco 3 (drenagem de vias alagadas, reparo de vazamento de cano de água ou esgoto, limpeza de bueiros, manutenção de calçadas, troca de lâmpada de iluminação pública queimada ou quebrada, poda de árvores, conserto de buraco em via pública, manutenção de equipamento esportivo quebrado, manutenção de brinquedo ou equipamento da praça e área de lazer quebrado) mereçam poucas - ou nenhuma - estrelinha.

Conheço grande parte dos monumentos históricos do centro - grande parte em situação deplorável, diga-se - considero importante sua manutenção, obviamente, e moraria em um um imóvel construído no século XIX ou no início do século XX localizado no centro histórico, que esteja em bom estado de habitabilidade (porque não? Esta seria uma boa pergunta para complementar o enunciado da questão).

O preço dos imóveis

A espinha dorsal do plano Reviver Centro é a construção ou reconversão e retrofit de novas unidades residenciais no Centro, com o objetivo de que sejam ocupadas por novos moradores, e que isto então se consubstancie na recuperação social, econômica e urbanística da área, que tem valor estratégico para a cidade como um todo.

Entender a dinâmica dos preços dos imóveis é um dos aspectos mais relevantes deste contexto. Colocado de forma direta, é necessário que a oferta de imóveis a ser induzida pelo conjunto de ações a ser proposto pelo plano seja “acessível” aos estratos de público que vão conformar este conjunto diverso - espera-se - de moradores que se pretende atrair.

Esta é uma questão de tratamento complicado. O preço dos imóveis a serem ofertados não pode ser determinado politicamente (não, não pode!) mas, sobretudo num contexto como este, que se trata justamente da indução “artificial” - em certo sentido - de uma demanda a partir de uma iniciativa pública, o que se justifica - abstratamente - se acreditarmos que sejam benéficos os objetivos do plano, também não se pode, por premissa, relegar completamente os preços à ação - da mão invisível - do mercado. No fim, os preços “se manifestam através da forma de cidades” (BERTAUD, 2019)

Genericamente, pode-se dizer que o conjunto de ações idealizado deve ser “calibrado” levando em consideração - também - o efeito que cada medida deve produzir no preço final dos futuros imóveis ofertados, no intuito de que sejam acessíveis ao público diverso pretendido, no sentido de pelo menos tentar replicar a intrincada rede de relacionamentos que Jacobs (1961) celebrou.

É bastante comum que o planejamento público em geral - e o brasileiro em particular - desconsidere este tipo de aspecto, o que ajuda a explicar muitos planos fracassados ao longo da história. Neste caso, duas questões do segundo bloco desta segunda fase da pesquisa dão a entender que a prefeitura não está desconsiderando - pelo menos - que o assunto existe. Estas questões, ao mesmo tempo, podem nos dar uma pista de uma faixa de preço de referência que talvez esteja na cabeça dos gestores públicos para os preços dos imóveis no contexto do plano Reviver Centro.

Análise de dados de mercado

Quanto acha que vale um imóvel de dois quartos no centro do Rio? Esta é a primeira questão. Estou curioso para o resultado das medidas de tendência central das respostas dos 3.725 participantes da pesquisa.

Para este artigo, vamos fazer uma pequena análise de dados para chegarmos a um “cheiro” do valor médio para um imóvel de dois quartos, usado, atualmente em oferta, nos bairros centro, Lapa, Gamboa, Saúde e Santo Cristo, que são os bairros englobados pelo plano Reviver Centro.

Coletamos dados de ofertas de venda de imóveis com as características acima em um determinado portal de imóveis na internet utilizando uma técnica de web scraping, que é uma forma de mineração que permite a extração de dados de sites da web convertendo-os em informação estruturada, utilizando o software Power BI, da Microsoft, que também foi utilizado para o tratamento, análise inicial e construção de um pequeno painel para visualização dos dados, incorporado a seguir.

Após o tratamento inicial dos dados e aplicação dos primeiros filtros restaram 267 elementos, cujo preço médio de oferta de venda é R$ 476.490,00, pouco menos de meio milhão de reais, o preço médio unitário de R$ 7.630,00/m² e área média 63,06 m². O painel 1 também nos mostra que Lapa e centro possuem as maiores médias de preço por m², e Santo Cristo a menor média, como seria intuitivo imaginar. Todavia, apenas para o centro foi encontrado um número minimamente significativo de elementos amostrais, 246 dos 267 elementos são ofertas do bairro centro, com 21 ofertas dividindo-se dividindo entre os demais. O painel é interativo, você pode clicar em qualquer parte dos gráficos e os demais dados serão filtrados pelo critério escolhido.

Evidentemente que esta é uma análise bastante superficial, muitas outra variáveis explicativas deveriam ser consideradas para uma análise mais aprofundada, e não posso garantir que o tratamento e filtragem realizado nos dados tenha sido suficiente para eliminar todas as distorções, mas é suficiente para termos uma “ideia” minimamente embasada da faixa de preço de um imóvel de dois quarto no centro do Rio, hoje.

A segunda questão adota uma perspectiva interessante: Se eu te der 3 opções de imóvel que você poderia comprar com o mesmo valor de um apartamento de 2 quartos no Centro da cidade, qual opção seria sua escolha? As opções são:

  • Uma casa em Bangu ou Campo Grande, com escritura;
  • Uma kitnet em bairros como Catete e Glória, com escritura;
  • Um imóvel de dois quartos em uma comunidade da Zona Sul;
  • O imóvel de dois quartos no centro.

Por ter formulado esta questão desta forma, suponho que os responsáveis pelo plano imaginem - ou saibam - que todas as opções encontram-se na mesma faixa de preço, e as respostas revelariam a preferência ou a impressão dos participantes (uma terceira questão poderia ter pedido o motivo da resposta).

Intuitivamente, eu responderia o apartamento de dois quartos no centro, tanto por ser minha preferência e estilo de vida, quanto por imaginar que este imóvel tenha mais chances de ser mais caro e, sobretudo, de ter maior valorização futura (não vou desenvolver esta última afirmação/imaginação neste artigo, talvez em um próximo).

Para prosseguir a análise coletamos, no mesmo portal de imóveis e utilizando a mesma técnica de web scraping, os seguintes dados:

  • Ofertas de venda de imóveis da tipologia casa nos bairros Campo Grande e Bangu, e filtramos a pesquisa para imóveis com entre 2 e 5 quartos e entre 30 e 500 m² de área, organizados no painel 2;
  • Ofertas de venda de imóveis das tipologias apartamento e quitinete nos bairros Catete e Glória, e filtramos a pesquisa para imóveis com entre 0 e 1 quarto e entre 25 e 120 m² de área, organizados no painel 3.

Infelizmente, não existem dados de mercado em quantidade significativa de oferta de venda de imóveis em favelas - ou comunidades, como preferir - ou, pelo menos, não consegui obtê-los com a mesma facilidade e, portanto, vamos desconsiderar esta tipologia desta análise rápida. De qualquer forma, não deixa de ser um exemplo de como nosso conhecimento a respeito destas partes da cidade é menor e mais obscuro.

Após o tratamento inicial dos dados e aplicação dos primeiros filtros restaram 244 elementos, a maior parte de Campo Grande, cujo preço médio de oferta de venda é R$ 421.320,00, inferior porém relativamente próximo do preço do imóvel de 2 quartos no centro, como havíamos imaginado, o preço médio unitário é de R$ 3.021,00/m² e área média 142,25 m². O painel 2 também nos mostra que o preço por m² não varia muito em função do número de quartos, mas o preço final de venda sim, evidentemente, e o preço médio para os imóveis especificamente de 3 quartos dentro da amostra é de R$ 493.000,00, a partir de 70 elementos. O painel é interativo, você pode clicar em qualquer parte dos gráficos e os demais dados serão filtrados pelo critério escolhido.

Após o tratamento inicial dos dados e aplicação dos primeiros filtros restaram 385 elementos, bem divididos entre Catete e Glória, cujo preço médio de oferta de venda é R$ 418.590,00, quase exatamente o mesmo preço da casa em Campo Grande ou Bangu e portanto inferior porém relativamente próximo do preço do imóvel de 2 quartos no centro, como havíamos imaginado, o preço médio unitário é de R$ 9.880,00/m² e área média 43,60 m². O painel 3 também nos mostra uma diferença do preço de oferta de venda relativamente significativa entre os bairros Catete e Glória, R$ 440.890,00 para os 222 elementos do bairro Glória e R$ 388.210,00 para os 163 elementos do Catete, mas a maior parte desta diferença se deve à diferença da área média dos elementos, 11,5% maior nos elemenos do bairro Glória. O painel é interativo, você pode clicar em qualquer parte dos gráficos e os demais dados serão filtrados pelo critério escolhido.

Conclusão

Reafirmando as ressalvas relativas às limitações desta nossa análise, podemos chegar a algumas conclusões superficiais.

As questões feitas na segunda fase da pesquisa de fato fazem sentido, uma casa em Bangu ou Campo Grande, uma quitinete na Glória ou Catete e um imóvel de dois quartos no centro então na mesma faixa de preços, com uma pequena “vantagem” para o imóvel do centro, como eu imaginava, mas essa diferença, dado que é relativamente pequena, pode ser devida a alguma distorção não filtrada dos dados.

Todavia, os dados também nos fazem vislumbrar um cenário desafiador. O preço de um imóvel de dois quartos no centro hoje, antes da recuperação planejada, sem mudança de perspectiva da população em relação ao centro, sem nenhuma medida de indução da demanda ainda implantada já é similar, se não superior, ao de uma quitinete no Catete ou casa de 2 quartos em Campo Grande. Para onde o mercado conduzirá este preço à medida que o plano seja bem sucedido e a demanda cresça?

A oferta de imóveis crescerá na proporção correta? A intensidade e o momentum de mercado de um eventual sucesso será aproveitada pelos agentes para vender mais unidades ou para vender unidades mais caras? A prefeitura conseguirá calibrar as suas próprias medidas e equacionar as expectativas de desenvolvedores e de proprietários? Ou uma próxima comparação deste tipo poderá ser feita com um conjugado no Leblon ou uma casa em São Conrado?

Pretendo abordar diferentes aspectos do plano Reviver Centro aqui no blog Inteligência Urbana, conforme novas informações forem sendo reveladas, o projeto for enviado de fato à câmara e as medidas sejam implantadas. Se tiver interesse, acompanhe.

Além do blog, a plataforma Inteligência Urbana disponibiliza páginas com referências para livros, cursos e leis e normas relacionadas aos temas que tratamos aqui. Caso você tenha interesse pode conferir nossos serviços oferecidos e entrar em contato quando quiser. Se quiser ser alertado da publicação de material novo pode assinar a nossa newsletter, e muito obrigado pela atenção até aqui!

Principais referências