A lei 14.133/21 substitui a Lei de Licitações (8.666/93), a Lei do Pregão (10.520/02) e o Regime Diferenciado de Contratações (12.462/11)

No dia 1º de abril de 2021 foi sancionada pela presidência da república a nova Lei de licitações e contratos públicos (Lei nº 14.133/2021), que substitui a Lei Geral das Licitações (Lei nº 8.666/1993), a Lei do Pregão (Lei nº 10.520/2002) e o Regime Diferenciado de Contratações - RDC (Lei nº 12.462/11), além de modificar diversos temas relacionados a contratações públicas.

A nova legislação justifica-se, entre outros fatores, pela defasagem da legislação anterior, em vigor desde 1993. Teve por objetivo a criação de uma lei unificada e moderna, com maior transparência, eficácia e agilidade para licitações e para a execução dos contratos administrativos.

Neste artigo vamos apresentar as principais mudanças, inovações e possíveis impactos do novo marco legal.

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Sumário do artigo

Introdução

A nova Lei aprovada estabelece as normas gerais sobre licitação e contratos administrativos que serão aplicadas a toda a Administração Pública direta, autárquica e fundacional de todos os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), incluindo os fundos especiais e as entidades controladas.

O novo estatuto abrange também aspectos relacionados ao controle interno e externo das aquisições de bens e serviços por parte do Estado.

A lei não se aplica, todavia, às licitações e aos contratos administrativos envolvendo empresas estatais, que permanecerão regidos pela Lei 13.303/2016 (exceto no relativo às disposições penais trazidas pela nova lei).

Vigor, vetos e revogação

A nova legislação entra em vigor imediatamente, mas a revogação da legislação anterior ocorrerá apenas no prazo de 2 anos. Nesse período, tanto a legislação antiga quanto a lei sancionada continuarão produzindo efeitos jurídicos e os orgãos da administração pública poderão optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com a nova Lei ou de acordo com as leis anteriores.

O texto aprovado contou com 28 vetos do presidente da república, que ainda deverão ser analisados pelo Congresso Nacional.

Entre os pontos vetados estão dois itens que obrigavam a publicação de contratações públicas e editais em jornal de grande circulação; e a obrigatoriedade de que a empresa contratada divulgasse em seu site o inteiro teor dos contratos firmados.

Principais mudanças

Princípios e objetivos

A lei 14.133/21 lista explicitamente uma série de princípios em seu artigo 5º. Além dos princípios sempre presentes da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e dos princípios já implícitos na legislação anterior do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, da vinculação ao edital e do julgamento objetivo, a nova lei acrescenta os seguintes novos princípios:

  • Planejamento;
  • Transparência;
  • Eficácia;
  • Segregação de funções;
  • Motivação;
  • Segurança jurídica;
  • Razoabilidade;
  • Competitividade;
  • Proporcionalidade;
  • Celeridade;
  • Economicidade;
  • Desenvolvimento nacional sustentável.

O que são chamados de objetivos na nova lei era classificado como finalidade na Lei 8.666/93, e estas finalidades eram (ainda são):

  • Garantir a observância do princípio constitucional da isonomia;
  • Seleção da proposta mais vantajosa para a administração;
  • Promoção do desenvolvimento nacional sustentável.

A lei 14.133/21 altera a redação mantendo a mesma ideia dos objetivos - ou finalidades - anteriores e acrescenta dois novos, ficando da seguinte forma:

  • Assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso;
  • Assegurar tratamento isonômico;
  • Incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável;
  • Justa competição;
  • Evitar contratações com sobrepreço, com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento.

Modalidades de licitação

A nova lei mantém as modalidades de licitação existentes na legislação anterior de concorrência, pregão, concurso e leilão, extingue as modalidades de convite, tomada de preços e Regime Diferenciado de Contratação - RDC e cria uma nova modalidade, o diálogo competitivo, conforme o quadro 1:

Legislação anterior Nova lei de licitações
Concorrência Concorrência
Pregão (Lei 10.520/02) Pregão
Concurso Concurso
Leilão Leilão
Convite Diálogo competitivo
Tomada de preços  
RDC (Lei 12.462/11)  

Quadro 1: modalidades de licitação

Uma mudança importante é que, na legislação anterior, a modalidade da licitação é determinada pelo valor estimado da contratação ou pela natureza do objeto, ao passo que na nova lei o que determina a modalidade de licitação é apenas a natureza do objeto.

O RDC, embora deixe de existir como modalidade de licitação, mantém muitas das suas práticas com aplicação facultada nas modalidades previstas, tais como orçamento sigiloso, contratação integrada, o critério de julgamento de maior retorno econômico, os modos de disputa aberto e fechado etc.

A criação de outras modalidades além das previstas continua proibida.

Nova modalidade: Diálogo competitivo

A principal novidade em termos de modalidade de licitação é a criação do diálogo competitivo, cujo escopo são contratos dotados de complexidade técnica, jurídica ou financeira. É um instituto que tem origem no Direito Europeu cujo foco inicial foi incentivar os Estados membro da União Europeia a promoverem parcerias público-privadas - PPP. A ideia subjacente é a de que o setor privado pode contribuir para as soluções públicas, e que existem situações nas quais o poder público sabe da sua necessidade, mas não sabe como supri-la.

No diálogo competitivo, o objeto da contratação é concebido no curso da licitação. A peculiaridade desse procedimento é que antes do julgamento das propostas há uma etapa de qualificação técnica e econômico-financeira e outra de diálogo com os candidatos. A qualificação e julgamento das propostas é semelhante à da concorrência, sendo a qualificação similar à habilitação técnica e econômico-financeira. Já na etapa do diálogo, cada candidato apresenta a sua solução à Administração. A intenção é que se trate de um diálogo mesmo, com cada licitante apresentando sua proposta de objeto do contrato de maneira individualizada para a Administração. E uma vez escolhida a solução, parte-se para o julgamento das propostas, que deve ocorrer de acordo com um dos critérios de julgamento previstos.

Aplicação e critérios de julgamento

A nova lei abandona o termo tipo de licitação utilizado pela Lei 8.666/93, e refere-se aos critérios de julgamento das propostas, que podem ser os seguintes:

  • menor preço;
  • maior desconto;
  • melhor técnica ou conteúdo artístico;
  • técnica e preço;
  • maior lance, no caso de leilão;
  • maior retorno econômico.

O quadro 2 a seguir resume a aplicabilidade e os critérios de julgamento conforme cada modalidade de licitação de acordo com a nova lei de licitações e contratos:

Modalidade Aplicação Critérios de julgamento
Concorrência - Contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e obras e serviços de engenharia e arquitetura;
- Contratação de bens e demais serviços considerados especiais.
- Menor preço;
- Maior desconto;
- Melhor técnica ou conteúdo artístico;
- Técnica e preço;
- Maior retorno econômico.
Pregão - Obrigatória para contratação de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles que possuam padrões de desempenho e qualidade aptos a serem objetivamente definidos no edital por meio de especificações usuais no mercado.
(O pregão não poderá ser utilizado para licitar obras e serviços de engenharia)
- Menor preço;
- Maior desconto.
Concurso - Escolha de trabalho técnico, científico ou artístico. - Melhor técnica ou conteúdo artístico.
Leilão - Alienação de bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos. - Maior lance.
Diálogo competitivo - Contratações cujo objeto é complexo a ponto de a Administração necessitar de colaboração para desenvolver as alternativas capazes de atender a necessidade/utilidade pública a ser suprida com o contrato. - Menor preço;
- Maior desconto;
- Melhor técnica ou conteúdo artístico;
- Técnica e preço;
- Maior retorno econômico.

Quadro 2: aplicação e critérios de julgamento das modalidades de licitação

Novo critério de julgamento: Maior retorno econômico

A maior novidade em termos de critério de julgamento é o critério de maior retorno econômico, que é um critério exclusivo para licitações cujo objeto seja um contrato de eficiência. Nos contratos de eficiência, o que se pretende não é a obra, o serviço ou o bem em si, mas o resultado econômico mais vantajoso decorrente de uma dessas prestações, motivo pelo qual a melhor proposta é aquela que oferece um maior retorno econômico.

O critério de maior retorno econômico e o contrato de eficiência já vigoram no Brasil, mas no Regime Diferenciado de Contratação Pública – RDC.

Procedimentos

Ainda que de forma tímida, a nova lei tenta superar a rigidez procedimental da Lei 8.666/93. Por exemplo, no art. 12, III, que prevê que “o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo”.

A lei 14.133/21 também traz para todas as demais modalidades de licitação a “inversão” das fases de julgamento e habilitação já presente no pregão e no RDC. De modo que as fases do procedimento comum da licitação, em qualquer das suas modalidades, deve ocorrer na seguinte sequência:

  1. Preparatória;
  2. Divulgação do edital de licitação;
  3. Apresentação de propostas (e lances, nos casos em que há lances);
  4. Julgamento;
  5. Habilitação;
  6. Recursal;
  7. Homologação.

Prazos de divulgação

Os prazos para a divulgação dos editais também são alterados pela nova lei. Todos os prazos passam a ser contados em dias úteis e variam de acordo com a natureza do objeto, conforme o critério de julgamento e eventualmente conforme a forma de contratação. Da seguinte forma:

  • Licitação para aquisição de bens:

    • Menor preço ou maior desconto: 8 dias úteis;
    • Maior retorno econômico ou maior lance (leilão): 15 dias úteis;
    • Técnica e preço ou de melhor técnica ou conteúdo artístico: 35 dias úteis;
  • Licitação para serviços comuns e de obras e serviços comuns de engenharia:

    • Menor preço ou de maior desconto: 10 dias úteis;
  • Licitação para serviços especiais e de obras e serviços especiais de engenharia:

    • Menor preço ou de maior desconto: 25 dias úteis;
    • Contratação integrada: 60 dias úteis;
    • Contratação semi-integrada: 35 dias úteis.

Instrumentos Auxiliares das Licitações e das Contratações

A lei 14.133/21 classifica como Instrumentos auxiliares alguns procedimentos que não são previstos na Lei 8;666/93, mas já fazem parte das contratações governamentais brasileiras, presentes na lei do RDC e em outros dispositivos legais. São os seguintes:

  • Credenciamento:

    É uma ferramenta para contratações por inexigibilidade. Trata-se de uma maneira de se operacionalizar uma contratação por inexigibilidade nas seguintes situações:

    • Necessidade de contratação simultânea, paralela e não excludente, de mais de um dos agentes do mercado;
    • Casos em que o contratante é o Poder Público, mas o usuário do serviço é um terceiro, a quem cabe a seleção do prestador;
    • Situações nas quais a variação dos preços praticados é frequente a ponto de inviabilizar a realização de licitação
  • Pré-qualificação:

    Permite o cadastramento de licitantes e de bens para fins de licitação processada em qualquer uma das suas modalidades previstas. É um procedimento prévio à licitação que tem o objetivo de antecipar a verificação dos requisitos exigidos pela Administração referentes à qualificação do licitante ou do seu produto.

    Com a nova lei é possível restringir a participação no certame àqueles que foram pré-qualificados.

  • Procedimento de Manifestação de Interesse - PMI:

    Embora já exista no Brasil, o PMI vigorava de modo limitado. Sua relevância se deve ao fato de que umas das maiores dificuldades da Administração Pública nas licitações é suprir a carência de informação acerca das soluções, práticas e preços existentes no mercado. No intuito de suprir essa assimetria de informação, o ordenamento jurídico de diversos países tem colocado à disposição das autoridades contratantes uma espécie de procedimento prévio à publicação do certame, cujo objeto é a coleta de informações acerca das soluções oferecidas pelo mercado para as necessidades públicas.

  • Sistema de Registro de Preços - SRP:

    É um instrumento que permite o registro de preços de produtos quando não se sabe exatamente a quantidade que será necessário contratar, garantindo o congelamento do valor ao longo de certo período de tempo. Será utilizado não apenas na modalidade pregão, mas também na concorrência e em contratações diretas;

    A nova lei prevê o uso de registro de preço para obras, e a possibilidade de vigência da ata por até dois anos.

  • Registro cadastral:

    É um banco de dados para cadastro de possíveis fornecedores, uma ferramenta que poderá comportar um sistema de reputação capaz de conferir incentivos aos bons contratados.

Publicidade e sigilo

A partir da lei 8.666/93 entende-se que o orçamento é um dos anexos que deve ser divulgados pela Administração, enquanto na lei do pregão há uma divergência sobre essa necessidade ou não de divulgação do orçamento.

A nova lei de licitação normatiza objetivamente esta questão. A regra continua sendo a publicidade, com a exceção de quando o sigilo for imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

A lei 14.133/21 também traz situações em que a publicidade é adiada e só ocorre a partir de um certo marco. As situações são as seguintes:

  • Quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura: O conteúdo das propostas só é divulgado após a abertura da sessão, para manter o caráter competitivo da licitação. A Lei 8.666/93 chama essa situação de sigilo das propostas;

  • Quanto ao orçamento da Administração, desde que justificado: O sigilo do orçamento é exceção, só pode ocorrer quando houver uma justificativa. O sigilo do orçamento não é permanente, ele deve ser divulgado na abertura da sessão.

Contratação Direta

A lei 8.666/93 já prevê a contratação direta por meio de inexigibilidade ou dispensa de licitação. A lei 14.133/21 também traz essas possibilidades, mas com detalhes novos.

Inexigibilidade de Licitação

A lei 8.666/93 prevê três hipóteses de inexigibilidade de licitação, que ocorrem quando não é possível a contratação por meio de licitação. Essas hipóteses são as seguintes:

  • Contratação com exclusividade de fornecedor;
  • Contratação de serviço técnico;
  • Contratação de profissional do setor artístico.

Essas três hipóteses continuam existindo com algumas especificidades.

Enquanto a lei 8.666/93 prevê que a contratação do serviço técnico especializado deve atender a 2 características, que são:

  • Natureza singular do serviço;
  • Prestação por um profissional de notória especialização.

A nova lei deixa de mencionar a necessidade de o serviço ter natureza singular e passa a exigir que ele seja predominantemente intelectual. Neste sentido, os novos requisitos para o serviço técnico são:

  • Natureza predominantemente intelectual;
  • Prestação por um profissional de notória especialização.

A nova Lei ainda prevê duas novas hipóteses para a contratação direta por inexigibilidade, que são:

  • Credenciamento: Utilizado quando a Administração quer dispor do máximo possível de profissionais credenciados, deixando a cargo do usuário do serviço a escolha.

  • Aquisição ou locação de imóveis cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha: No caso de haver a necessidade de locação ou compra de um imóvel específico, destinado a atender determinada finalidade pública.

Licitação Dispensável

A licitação é dispensável quando é possível fazer a contratação por intermédio de licitação, mas o legislador dispensa a Administração de realizá-la, permitindo a contratação direta.

A Lei 8.666/93 já prevê diversas hipóteses em que a licitação é dispensável, mas a nova lei traz algumas mudanças importantes. As principais são as seguintes:

  • Baixo valor: O valor máximo para a dispensa de licitação por baixo valor, que antes era R\$ 33 mil para obras e serviços de engenharia e R\$ 17 mil para compras e outros serviços, passa a ser R\$ 100 mil para obras e serviços de engenharia e para serviços de manutenção de veículos automotores (nova hipótese) e R\$ 50 mil para compras e outros serviços;

  • Emergência: Na dispensa nos casos de emergência e calamidade pública, o prazo máximo de uma contratação direta passa de 180 dias de duração do contrato para 1 ano.

Licitação Dispensada / Admitida a dispensa

Segundo a Lei 8.666/93, a licitação é dispensada quando o legislador determina que não se faça licitação, em alguns casos de alienação de bens da Administração.

A Nova Lei de Licitação adota o termo admitida a dispensa para as mesmas hipóteses em que a licitação é dispensada na lei anterior.

Ainda não é possível saber, todavia, se esse termo significa dispensada de fato (obrigatória a dispensa) ou dispensável (possível a dispensa). Esta é uma brecha que provavelmente será objeto de debate.

Modos de Disputa

A nova lei admite que a licitação pode ser disputada de dois modos, aberto e fechado.

  • Modo aberto: Os licitantes apresentarão suas propostas por meio de lances públicos e sucessivos;

  • Modo fechado: As propostas apresentadas pelos licitantes serão sigilosas até o momento definido no edital para a divulgação, ou seja, os licitantes não conhecem as propostas e os lances dos seus concorrentes.

Neste sentido, a legislação oferece ao gestor a possibilidade de aplicar um modo ou outro, inclusive com a possibilidade de combinação entre ambos, de acordo com a realidade do certame.

Entretanto, existem casos em que um dos modos é obrigatório. Nas licitações de menor preço ou maior desconto, é vedada a utilização do modo fechado de maneira isolada, permitindo-se apenas que o gestor mescle no curso do procedimento os modos aberto e fechado. Já em licitações cujo critério de julgamento for técnica e preço, não será possível o uso do modo aberto.

Regimes de contratação

A lei 14.133/21 também traz alterações substanciais relativas ao regime de execução dos contratos. Algumas dessas são trazidas do RDC e também da lei das estatais (lei 13.303/16), como é o caso dos regimes de execução contratual de contratação integrada e do regime de contratação semi-integrada. Tratam-se de regimes voltados para a contratação de obras e serviços de engenharia.

  • Contratação integrada: Fazem parte de um único contrato a elaboração dos projetos básico e executivo, a execução da obra ou serviço e o fornecimento dos bens ou a prestação dos serviços especiais indispensáveis para a realização da obra ou serviço contratado.

  • Contratação semi-integrada: Exclui-se do contrato de execução da obra ou serviço de engenharia a elaboração do projeto básico, restando a cargo do executor da obra ou serviço de engenharia a elaboração do projeto executivo, a execução da obra ou serviço de engenharia e o fornecimento dos bens e a prestação dos serviços especiais indispensáveis para a consecução do objeto contratado.

Garantia Contratual

A lei 14.133/21 continua a prever que a exigência de garantia contratual é uma opção do gestor público. Se este decidir pela exigência, caberá ao contratado escolher entre as opções de caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária.

A nova lei acrescenta a possibilidade de o edital exigir como garantia de contratos de obras e serviços de engenharia um seguro-garantia estabelecendo que, em caso de inadimplemento contratual, caberá à seguradora concluir o objeto contratado. Essa é uma prática internacionalmente conhecida como step in right, cujo sentido é o de impor ao segurador a assunção da obrigação de entrega da obra ou serviço no caso de o contratado falhar.

É uma inovação relevante, na medida em que é difícil licitar obras e serviços de engenharia com execução incompleta.

Processos digitais

A regra para todos os procedimentos de contratação passa a ser a contratação eletrônica. As licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica, em todas as modalidades.

Para o uso da forma presencial passa a ser exigido que o gestor exponha no processo o motivo da sua opção e que registre a sessão pública em ata e grave o referido ato com a utilização de recursos tecnológicos de áudio e vídeo.

Conforme a lei “os atos serão preferencialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico”. Ou seja, os atos praticados de forma física devem ser evitados, ainda que venham a ser digitalizados posteriormente.

Neste sentido, o sistema no qual se processa uma concorrência, por exemplo, deve estar adaptado para receber pedidos de esclarecimento e impugnação ao edital e recursos.

Outro ponto relevante é a criação do Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, com a missão de divulgar todas as licitações dos órgãos e entidades da Administração direta, autárquica e fundacional da União, dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A ideia é que o PNCP seja, inclusive, uma plataforma de realização das licitações.

Agentes públicos

A nova lei traz novos conceito relacionados aos agentes públicos que serão parte do processo de licitação e contratações públicas, quais sejam:

  • Agente de contratação:

    A partir de agora, em regra, não há mais a formação de uma comissão de licitação para a realização do procedimento licitatório. Haverá uma figura semelhante ao pregoeiro (da Lei de Pregão), chamado de agente de contratação, que será designado entre servidores efetivos ou empregados públicos, sendo o principal responsável pelo procedimento licitatório.

    • Auxílio: com a extinção da comissão de licitação, o agente de licitação terá uma equipe de apoio, que exercerá o seu assessoramento, sem poder decisório.
  • Autoridade superior:

    A autoridade superior pode ser equiparada ao agente competente da lei 8.666/93. É hierarquicamente superior ao agente de contratações e tem como competência adjudicar e homologar o processo de licitação.

  • Comissão de Licitação:

    Existe uma circunstância em que a formação de comissão de licitação é possível e outra na qual é obrigatória.

    • Bens e serviços especiais: Quando se tratar da contratação de bens e serviços especiais, é possível (não obrigatório) o estabelecimento de uma comissão com no mínimo três membros.
    • Diálogo competitivo: Nesta nova modalidade de licitação será obrigatória a formação de comissão de licitação com pelo menos três membros.

Outras novidades

  • Vedação à aquisição de artigos de luxo para o dia-a-dia;
  • Definição de matriz de risco, que é a consideração de problemas que podem ocorrer durante a execução do contrato, incluindo esse valor no preço, para segurar a Administração, futuramente;
  • Mudanças das regras sobre margem de preferência;
  • Meios alternativos de resolução de controvérsias;
  • Novos crimes e penas.

Principais inovações

ARAÚJO (2009) menciona que, muito embora traga várias novidades, a nova lei não foi disruptiva, de modo que ela não descartou por completo o modelo trazido pela Lei nº 8.666/93, mas tratou-se de uma tentativa de aperfeiçoá-la, unificando as diversas normas legais e infralegais sobre licitações e contratos, e positivando entendimentos do Tribunal de Contas da União, além de acolher lições da doutrina.

Podem ser citadas, entretanto, como inovações dignas de nota:

  • A nova modalidade de licitação: Diálogo competitivo;
  • A possibilidade de exigência de seguro garantia em obras e serviços de engenharia (com assunção da obrigação de entrega da obra ou serviço pelo segurador no caso de o contratado falhar);
  • O critério de julgamento de maior retorno econômico e o contrato de eficiência;
  • O Procedimento de Manifestação de Interesse - PMI como instrumento auxiliar de licitações e contratos;
  • A integração de elementos gerenciais às normas de licitação e contrato;
  • A adoção do modelo digital como regra para todos os procedimentos de contratação e criação do Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP.

Principais impactos

Evidentemente que é cedo para prever impactos de mudanças e novidades de uma nova legislação, antes de que esta seja testada pelo tempo. Todavia, reflexões guiadas por uma visão panorâmica (ARAÚJO, 2021) podem desenhar um cenário não exaustivo de seus possíveis impactos na Administração Pública, nos órgãos de controle, nos licitantes, nos contratados e na sociedade civil.

Impactos na administração pública

  • Possibilidade de celebração de contrato de eficiência (artigo 6º, LIII);
  • Implantação do e-government com a imposição de que os atos da licitação sejam preferencialmente digitais e a necessidade de criação de catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras (artigos 12, VI e 19, II);
  • Fomento ao planejamento com a possibilidade de elaboração de plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações, garantir o alinhamento com o planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das leis orçamentárias (artigo 12, VII);
  • Necessidade de atender a diversas etapas preparatórias antes de publicar o edital do certame, com destaque para a realização de estudo técnico preliminar que descreva a necessidade da contratação e caracterize o interesse público envolvido e para a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual (artigo 18, I e X);
  • Possibilidade de, no fornecimento de bens, a Administração promover a indicação de marcas em determinadas hipóteses (artigo 41, I);
  • Introdução, na esfera geral das licitações e contratações públicas, de dois procedimentos auxiliares previstos no RDC: pré-qualificação e registro cadastral (artigo 78, II e V) e criação de dois novos procedimentos auxiliares dentro deste regime geral: credenciamento e procedimento de manifestação de interesse (artigo 78, I e III);
  • Dever de emitir decisão sobre todas as solicitações e reclamações relacionadas à execução dos contratos (artigo 123).

Impactos nos órgãos de controle

  • Atribuição expressa de competência ao órgão de assessoramento jurídico da Administração para realizar o controle prévio de legalidade de contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos (artigo 53, § 4º);
  • Submissão das contratações públicas a três linhas de defesa integradas por servidores e empregados públicos, agentes de licitação, autoridades que atuam na estrutura de governança unidades de assessoramento jurídico, unidades de controle interno, pelo órgão central de controle interno da Administração e pelo tribunal de contas (artigo 169, I, II e III);
  • Obrigatoriedade de adotar medidas de saneamento em caso de constatação de impropriedade formal, adotarão medidas para o seu saneamento (artigo 169, § 3º, I);
  • Imposição legal de levar em consideração as razões apresentadas pelos jurisdicionados e os resultados obtidos com a contratação (artigo 170);
  • Garantia de dialética e de imparcialidade na fiscalização (artigo 171, I e II).

Impactos nos licitantes

  • Rito idêntico para o pregão e para a concorrência com, por exemplo, uma única fase recursal (artigos 17, VI e 29);
  • Possibilidade de o orçamento estimado da contratação ter caráter sigiloso (artigo 24);
  • Fim das modalidades convite e tomada de preços e criação da modalidade diálogo competitivo (artigo 28, V);
  • Introdução nas contratações em geral de dois critérios de julgamento de propostas que só eram utilizados no RDC: maior desconto e maior retorno econômico (artigo 33, II e VI);
  • Possibilidade de a Administração exigir que o produto esteja de acordo com as normas da ABNT, Inmetro e outras e que possua certificação de qualidade emitida por instituição credenciada pelo Conmetro (artigo 42, I e § 1º);
  • Inserção de forma isolada ou conjunta dos modos de disputa aberto (lances públicos) ou fechado (propostas em sigilo até a divulgação) (artigo 56, I e II);
  • Possibilidade de saneamento de irregularidades (vícios sanáveis) na licitação (artigos 59, I e 71, I).

Impactos nos contratados

  • Cláusula de matriz de alocação de riscos que define a responsabilidade de cada parte no contrato (artigo 22);
  • Obrigatoriedade de implantar, em caso de inexistência, programa de integridade até seis meses após a assinatura de contrato de grande vulto (artigo 25, § 4º);
  • Possibilidade de exigência de seguro-garantia com cláusula de retomada em obras e serviços de engenharia de grande vulto, onde a seguradora, em caso de inadimplemento pelo contratado, assume a execução de concluir o objeto do contrato (artigos 99 e 102);
  • Possibilidade de contratos de serviços e fornecimentos contínuos serem prorrogados por até 10 anos (artigo 107);
  • Estabelecimento de uma ordem cronológica para os pagamentos devidos pela Administração Pública (artigo 141);
  • Obrigatoriedade do pagamento de parcela incontroversa em caso de litígios sobre a execução contratual (artigo 142); com possibilidade de pagamento antecipado (artigo 145, § 1º);
  • Possibilidade de utilização de meios alternativos para prevenção e resolução de controvérsias, como a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem (artigo 151).

Impactos na sociedade civil

  • Aumento da transparência com a previsão da criação de um sistema informatizado (com recursos de áudio e vídeo) para o acompanhamento de obras públicas (artigo 19, III);
  • Fomento da participação popular na Administração Pública com a previsão da possibilidade de convocação de audiências e consultas antes da realização de licitações (artigo 21, parágrafo único);
  • Possibilidade de não só impugnar edital de licitação, mas como também de solicitar esclarecimentos sobre procedimentos licitatórios (artigo 164);
  • Subordinação das contratações públicas ao controle social (artigo 169);
  • Incremento do accountability, em razão de o Portal Nacional de Contratações Públicas - PNCP pretender:
    • Trazer informações sobre planos de contratação anuais, catálogos eletrônicos de padronização, editais de credenciamento e de pré-qualificação, avisos de contratação direta e editais de licitação e respectivos anexos, atas de registro de preços, contratos, termos aditivos e notas fiscais eletrônicas (artigo 174, § 2º);
    • Oferecer painel para consulta de preços, banco de preços em saúde e acesso à base nacional de notas fiscais eletrônicas, acesso ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas - CEIS, acesso ao Cadastro Nacional de Empresas Punidas - CNEP e o sistema de gestão compartilhada com a sociedade de informações referentes à execução do contrato (artigo 174, § 3º).

Conclusão

Neste texto apresentamos as principais mudanças e inovações da nova lei de licitações e contratos públicos em relação à legislação anterior substituída e também listamos possíveis impactos do novo marco legal que podem ser preliminarmente apontados.

Em artigos futuros podemos abordar de forma mais detida alguns aspectos específicos da nova lei e dos novos instrumentos trazidos, tais como, por exemplo, a modalidade de Diálogo competitivo.

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Principais referências