A Carta do Rio é um manifesto produzido durante o 27º Congresso Mundial de Arquitetos e propõe um modelo de cidade que se pretende melhor e mais justa

O 27º Congresso Mundial de Arquitetos - UIA 2021 Rio, que se encerrou no último dia 22 de julho, terminou com a produção de um manifesto intitulado Carta do Rio.

A Carta do Rio foi confeccionada e referendada por arquitetos de todos os continentes com o objetiuvo de propor soluções para dificuldades enfrentadas nas cidades e defende políticas públicas que garantam acesso a serviços de saneamento, infraestrutura e transporte.

Neste texto vamos apresentar os principais pontos e aspectos do manifesto.

Congresso Mundial de Arquitetos publica a Carta do Rio com propostas para a “Cidade 21”

Sumário do artigo

Introdução

Após reunir palestrantes que estão entre os principais pensadores e praticantes da arquitetura e do urbanismo na atualidade, além de pesquisadores e cidadãos preocupados e envolvidos na resolução dos problemas enfrentados pelas cidades e seus habitantesm, o 27º Congresso Mundial de Arquitetos encerrou-se no último dia 22 de julho com a produção da Carta do Rio, um manifesto que pretende propor um modelo de cidade para o futuro e apresentar soluções e iniciativas relativas a este propósito.

O Congresso Mundial de Arquitetos

O Congresso Mundial de Arquitetos é promovido pela União Internacional de Arquitetos - UIA desde 1948. Trata-se de um fórum para profissionais e futuros líderes na arquitetura, no urbanismo e em áreas afins, com o objetivo de debater o futuro das cidades, analisar o panorama global e as questões locais, formular propostas e apresentar soluções para a melhoria da qualidade de vida e para um mundo mais justo e sustentável.

A 27º edição do Congresso seria realizada no Brasil pela primeira vez, na cidade do Rio de Janeiro, que recebeu o título de primeira capital mundial da arquitetura pela Unesco e pela UIA para sediar o evento, que deveria ocorrer em 2020. Todavia, em função da pandemia de Covid-19, o congresso foi inicialmente adiado para 2021, reformulado para um modelo híbrido, e depois reformulado novamente para um modelo totalmente virtual, lamentavelmente.

Pelo lado do copo meio cheio, segundo os realizadores do congresso, em função do formato digital o público alcançado teria sido exponencialmente maior e distribuído por todo o mundo. O número de inscritos teria quadruplicado, de cerca de 20 mil para 80 mil.

A interdependência entre economia, política, sociedade, ambiente e cidade é o cerne do tema do congresso e pretende-se que emane de suas discussões a “Cidade 21”, atenta ao ambiente, ao clima, aos bons espaços, à redução das desigualdades intraurbanas, tendo o cidadão como foco.

O tema macro do Congresso foi Todos os mundos, um só mundo, arquitetura 21 e dividiu-se em quatro linhas temáticas: Fragilidades e desigualdades; Diversidade e mistura; Mudanças e Emergências; e Transitoriedades e fluxos.

A carta do Rio

A “Carta do Rio” é o manifesto produzido a partir da reunião das propostas discutidas e elaboradas ao longo do 27º Congresso Mundial de Arquitetos.

Segundo Sérgio Magalhães, presidente do comitê executivo do congresso, o texto tem como objetivo propor soluções para dificuldades enfrentadas nas cidades, e que se tornaram mais evidentes com a pandemia da Covid-19:

A pandemia mostrou a interdependência entre economia, política, meio ambiente, cultura, planeta e cidades. Se a cidade deixa de oferecer acessos à população, a economia entra em parafuso. As periferias e as favelas precisam ter suas carências atendidas. Há uma necessidade de universalização dos serviços. A cidade precisa estar bem, para que os fatores que atuam sobre ela prosperem.

O manifesto será entregue às prefeituras de todas as capitais brasileiras e também a cidades ao redor do mundo, em Assembleia Geral da União Internacional de Arquitetos - UIA, como uma espécie de convite para que todos contribuam para a construção da “Cidade 21”, o que deverá ser realizado de forma ajustada ao que chamam de “exigências contemporâneas”.

O raciocínio inclui o reconhecimento de que existem diversas “formas de produção” da cidade, incluindo favelas e periferias, e a promoção de programas de adequação dessas áreas por meio da valorização da “diversidade cultural, ética, racial, de gênero e socioambiental” faz parte dos esforços para que a cidade seja inclusiva e sustentável em diferentes aspectos, como na oferta de meios de deslocamento eficientes e que atendam às necessidades das pessoas e aos fluxos de materiais e informações.

Objetivamente, a universalização dos serviços públicos - infraestrutura, saneamento, segurança e transporte - é apontada como condição essencial para a redução das fragilidades e desigualdades, o que também está atrelado à oferta de moradia digna e saudável, com financiamento alinhado às possibilidades das famílias mais carentes, além da necessidade da promoção de “políticas públicas que evitem a expansão da ocupação urbana e ampliem a resiliência e a adaptabilidade” dos edifícios já construídos.

Conforme os realizadores do evento, “A Arquitetura e o Urbanismo têm um papel fundamental na construção contínua de cidades melhores, mais justas e equitativas. O projeto é um instrumento essencial para contribuir com o adequado planejamento de cidades, materializar ideias, promover o debate e viabilizar transformações”.

Há quem espere que a “Carta do Rio” venha a ter a mesma força que teve a “Carta de Atenas”, o manifesto urbanístico resultante do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna - CIAM, realizado em Atenas em 1933, que praticamente definiu o conceito de urbanismo moderno, traçando diretrizes e fórmulas que, segundo os seus autores, seriam aplicáveis internacionalmente, e de fato foram. Tomara que a “Carta do Rio” envelheça melhor.

Signatários

A “Carta do Rio” teve sua comissão responsável composta por Angélica Benatti Alvim, Elisabete França, Luiz Fernando Janot, Igor Vetyemy, Maria Elisa Baptista, Nivaldo Andrade e Sérgio Ferraz Magalhães, e também é assinada pelas seguintes entidades:

Considerações

A Carta do Rio é um documento pequeno, de 6 páginas em sua publicação original. Antes de propriamente listar as propostas para o modelo de cidade que defende são tecidas algumas considerações.

É mencionado que a pandemia de Covid-19 escancarou as fragilidades de cidades de todo mundo, principalmente as mais pobres.

O documento culpa uma suposta crescente hegemonia do “capitalismo financeiro autoritário e predatório” pelo desmantelamento de políticas de bem-estar social em inúmeros países, afirma que as relações de trabalho foram precarizados pela submissão dos meios científicos e tecnológicos ao interesse por altos rendimentos das corporações industriais e financeiras, que teriam se tornado hegemônicas no desenvolvimento econômico mundial e subordinando o aparelho de Estado aos interesses das elites socioeconômicas. Por outro lado, nenhuma única crítica - nem autocrítica - é formulada em relação a quaisquer práticas de planejamento e gestão urbana por parte do poder público, nem à forma de atuação do estado e - nem pensar - à academia.

O manifesto afirma que o modelo de urbanização extensiva resulta em assimetrias socioespaciais que se expressam no avanço da ocupação urbana sobre terras agriculturáveis, mananciais de água, florestas e áreas de proteção ambiental, o que se manifesta na vulnerabilidade a que estão sujeitas pessoas que vivem em moradias precárias em áreas desprovidas de infraestrutura.

Assevera-se que a sobrevivência humana está ameaçada pelo esgotamento de recursos, pela falta de água potável, pela mudança climática, degradação da biodiversidade e dos ecossistemas e por problemas de saúde pública.

Também é dito que mudanças demográficas, nos modos de produção e consumo e nas relações de trabalho e convívio exigem a ressignificação dos espaços da moradia e da cidade e da relação da arquitetura com os “aspectos primordiais da saúde pública”.

Racismo, homofobia, xenofobia e misoginia são mencionados como forças incompatíveis com a redução das desigualdades e afirma-se que o esvaziamento do pensamento crítico e do debate político e a descrença nos conhecimentos científicos favorece a manipulação da opinião pública, a desfiguração dos processos democráticos e o ressurgimento de regimes autocráticos.

Por fim, afirma-se que a educação é fundamental para a formação dos profissionais que produzirão as cidades do futuro, que o arquiteto e urbanista tem compromisso inerente com a coletividade, o respeito aos direitos dos cidadãos e à democracia, e que a UIA defende o progresso humano por meio do conhecimento, da valorização e do respeito pelas artes e ciências, e do desenvolvimento e uso da tecnologia apropriada às necessidades humanas.

Propostas

As propostas para a “Cidade 21”, reunidas na Carta do Rio são sistematizadas a partir das quatro linhas temáticas que nortearam o 27º Congresso Mundial de Arquiutetos.

No eixo Diversidade e mistura a cidade é entendida como lócus do desenvolvimento econômico, social, cultural e político e deve ser acolhedora para todos os cidadãos. No eixo Fragilidades e desigualdades a cidade contemporânea deve ter como princípio a construção de um espaço urbano coletivo, planejado e administrado como função de Estado por meio de políticas públicas democráticas e inclusivas. O eixo Mudanças e emergências estabelece que a boa cidade é aquela que tem como foco a condição humana, o respeito ao meio ambiente, a valorização do patrimônio natural, histórico e cultural, além de densidade demográfica coerente com a oferta e manutenção de serviços públicos essenciais. E conforme o eixo Transitoriedade e fluxos a cidade inclusiva e sustentável provê espaços e meios de deslocamentos eficientes e com qualidade para atender satisfatoriamente às necessidades das pessoas e aos fluxos de materiais e informações.

Na sequência apresentamos os tópicos que guiaram a redação da “Carta do Rio”, divididos conforme os eixos temáticos.

Diversidade e mistura

  • Reconhecer que a cidade é interdependente, receptiva e ativa em relação aos diversos fatores constituintes da vida em sociedade.
  • Reconhecer as diversas formas de produção das cidades, incluindo as favelas e periferias, e promover programas de adequação dessas áreas às exigências de infraestrutura e de serviços públicos.
  • Cuidar e valorizar permanentemente os centros das cidades, patrimônio histórico e cultural da sociedade, símbolo do espaço democrático e lugar de expressão da diversidade, no sentido de evitar seu esvaziamento simbólico, econômico, político e social.
  • Promover políticas de desenvolvimento urbano sustentável e duradouro acessíveis, que atendam as pessoas em suas diferenças, peculiaridades, contradições, interesses e necessidades.
  • Modificar as bases conceituais e práticas do planejamento, do urbanismo e da arquitetura, de modo a abarcar ações e processos que respondam às demandas dos grupos mais vulneráveis.
  • Levar em conta estratégias de enfrentamento das desigualdades, de redução da pobreza e do fortalecimento da gestão democrática do território, dos processos de participação popular e das ações que aprofundem a interdisciplinaridade e a intersetorialidade.
  • Licitar obras públicas a partir de projetos completos, como elemento fundamental para a qualidade da construção, da infraestrutura e usufruto dos espaços urbanos.

Fragilidades e desigualdades

  • Priorizar ações em territórios mais vulneráveis, fortalecer a economia local, apoiando e valorizando as iniciativas de base comunitária.
  • Promover políticas públicas integradas e democráticas que garantam o direito à cidade, valorizem o patrimônio histórico e cultural, reconheçam as preexistências e preservem o ambiente para gerações futuras.
  • Providenciar moradia digna e saudável e com localização adequada para todos, por meio do financiamento sujeito às possibilidades das famílias mais carentes, como questão de justiça social e de saúde pública.
  • Universalizar os serviços públicos de infraestrutura, de saneamento, de transporte e de segurança.
  • Dialogar com o saber popular dos diversos agentes que atuam no território e levar em conta estratégias de redução da pobreza e das iniquidades em saúde, o respeito aos direitos sociais e o fortalecimento da gestão democrática, compartilhada e participativa.
  • Prover assistência e assessoria técnica para habitação de interesse social como serviço público, permanente e acessível a toda sociedade.
  • Garantir que o orçamento público expresse o compromisso com o financiamento de políticas públicas que reduzam as fragilidades e desigualdades e combatam a pobreza. Privilegiar a parceria entre arquitetos e organizações locais apoiados por fundos públicos.

Mudanças e emergências

  • Promover políticas públicas que evitem a expansão da ocupação urbana, que ampliem a resiliência e a adaptabilidade do ambiente construído, que estimulem a mobilidade não poluidora, a recuperação dos recursos hídricos, a reabilitação dos ecossistemas e da biodiversidade e a redução dos efeitos adversos da mudança climática, de forma harmônica com os ciclos naturais de cada lugar.
  • Aliar instrumentos urbanos à tecnologia e à universalização dos serviços públicos de modo equitativo e includente, revertendo a expansão não planejada, a degradação do meio ambiente, os riscos e as desigualdades socioespaciais.
  • Ocupar os vazios urbanos da cidade consolidada, com adensamento, usos mistos, espaços e serviços públicos, áreas verdes, novas tecnologias e diversidade social, econômica e cultural.
  • Adensar áreas infraestruturadas sem comprometer a qualidade da textura urbana.
  • Dotar moradias precárias de condições de segurança, de salubridade e de infraestrutura, reduzindo situações de riscos e emergências sanitárias.
  • Priorizar materiais locais, evitando desperdícios de recursos, valorizando a qualificação da mão de obra local, os saberes, os costumes, a cultura das comunidades e as diversidades de climas.
  • Considerar os determinantes socioambientais da saúde para a formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas.

Transitoriedade e fluxos

  • Tratar a mobilidade urbana segundo as “exigências contemporâneas”, tanto na dimensão dos recursos ambientais como no atendimento às necessidades das populações em seus deslocamentos cotidianos.
  • Promover múltiplos modos de transporte, com ênfase no transporte público e nos meios de transporte ativos – pedonal, bicicleta, entre outros.
  • Planejar o Uso e ocupação do solo e a mobilidade como instrumentos integrados para a promoção da justa distribuição dos benefícios da urbanização e para o controle da expansão urbana.
  • Priorizar os pedestres e garantir a inclusão de pessoas com mobilidade reduzida, além de faixas etárias e classes sociais distintas.
  • Planejar e projetar espaços de transição integrados à paisagem urbana e cultural, ampliando o acesso à cidade e aos seus equipamentos.
  • Pensar soluções democráticas e inclusivas para o espaço público como lugar do encontro e das práticas de cidadania.
  • Fazer da Arquitetura e do Urbanismo instrumentos para o acolhimento e o enfrentamento do fenômeno migratório contemporâneo.

Conclusão

Neste artigo pontuamos os principais pontos, considerações e propostas da Carta do Rio, o manifesto produzido no 27º Congresso Mundial de Arquitetos.

A Arquitetura e o Urbanismo têm um papel fundamental na construção contínua de cidades melhores, mais justas e equitativas. O projeto é um instrumento essencial para contribuir com o adequado planejamento das cidades, materializar ideias, promover o debate e viabilizar transformações.

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Principais referências