Avaliação de imóveis é uma aplicação da ciência de dados cujo objetivo é fornecer uma estimativa de valor ou custo de um imóvel

Ao final da primeira semana do ano prossigo com meu projeto posto no ar no último dia 31 e publico o primeiro artigo do blog Inteligência Urbana, onde abordarei temas com os quais eu trabalho e estudo e eventualmente um pouco do que eu penso.

Neste texto inicio uma série de artigos sobre avaliação de imóveis urbanos, trato dos principais aspectos relacionados às normas e às metodologias de avaliação, além de uma introdução conceitual.

Os demais textos da série abordarão as etapas lógicas de um processo de avaliação, cada uma das metodologias, alguns aspectos relevantes relacionados a condicionantes do processo avaliatório e também às ferramentas tecnológicas utilizadas.

Avaliação de imóveis urbanos: normas e metodologia

Sumário do artigo

Introdução

A avaliação de imóveis é uma aplicação da ciência de dados e consiste na “aferição de um ou mais fatores econômicos especificamente definidos em relação a um bem imóvel em uma data determinada, tendo como suporte a análise de dados relevantes” (ABUNAHMAN, 2008) e tem o objetivo de estimar o valor de um bem imóvel.

A principal finalidade da avaliação é produzir informação que seja capaz de subsidiar decisões a respeito do bem imóvel avaliando, relacionadas, por exemplo, a transferência de propriedade, financiamento e crédito, indenizações em desapropriações, base para taxações, valor justo de locação, etc.

A informação produzida também é capaz de subsidiar processos relacionados a investimentos imobiliários, desenvolvimento urbano e mesmo planejamento urbano, uma vez que “mercados transmitem informação através dos preços, gerando ordem espacial” que “se manifesta através da forma de cidades” (BERTAUD, 2019). Os procedimentos relacionados à avaliação de imóveis envolvem dados, informações e conhecimento relacionados ao funcionamento do mercado imobiliário em si e mesmo à estruturação das cidades.

O mercado imobiliário possui um comportamento muito distinto do mercado de outros bens, decorrentes das características especiais dos imóveis e do mercado. Existem inúmeras fontes de divergências e desigualdades entre os imóveis. O solo urbano não pode ser utilizado sem infraestrutura mínima, que é eminentemente pública e heterogeneamente distribuída. Os imóveis estão sujeitos às influências dos governos e das economias local, regional, nacional e global.

O mercado imobiliário possui diversas restrições, como a falta de informação e a heterogeneidade dos imóveis e de suas localizações, o que dificulta a comparação e cria diversos submercados para cada tipo de imóvel. Diante disso, “é fácil concluir que o mercado imobiliário é de concorrência imperfeita” (NASSER JÚNIOR, 2019), o que acarreta diversas implicações na análise, que tentaremos explorar ao longo da série.

Normas

No Brasil, a norma que baliza os procedimentos em um processo de avaliação é a ABNT NBR 14.653, que possui 7 partes com os seguintes temas:

  • parte 1: procedimentos gerais;
  • parte 2: imóveis urbanos;
  • parte 3: imóveis rurais;
  • parte 4: empreendimentos;
  • parte 5: máquinas e equipamentos, instalações e bens industriais em geral;
  • parte 6: recursos naturais e ambientais;
  • parte 7: bens de patrimônios históricos e artísticos.

Estas normas estão disponíveis na página de Leis e normas aqui da plataforma Inteligência Urbana.

Também existe a Norma para avaliação de imóveis urbanos do IBAPE/SP e as normas internacionais IVSC, RICS, TEGoVA’s, entre outras.

Requisitos profissionais

Conforme a Lei 5.194/1996, art. 7º, e a Lei 12.378/2010, art. 2º, é atribuição exclusiva de engenheiros, engenheiros agrônomos e arquitetos e urbanistas a elaboração e emissão de Laudos Técnicos de Avaliação.

Existe a resolução do COFECI 1.064/2007, que prevê a possibilidade de o corretor de imóveis elaborar Parecer Técnico de avaliação mercadológica, desde que possua diploma de curso superior em Gestão Imobiliária ou equivalente e/ou certificado de conclusão de curso de Avaliação de Imóveis.

Todavia, a nova atualização de 2019 da NBR 14.653-1 excluiu a definição de parecer técnico de seu escopo, o que significa que todas as manifestações técnicas sobre valor de bem devem ser realizadas por meio de laudos técnicos de avaliação realizados conforme os preceitos normativos. São os preceitos que seguiremos neste artigo.

Metodologia

A metodologia escolhida deve ser compatível com a natureza do bem avaliando, a finalidade da avaliação e os dados de mercado disponíveis. A Norma ABNT NBR 14.653-2 detalha quatro métodos para identificação de valor e dois métodos para identificação de custo.

Métodos para identificar o valor de um bem, de seus frutos e direitos:

  • Método comparativo direto de dados de mercado;
  • Método involutivo;
  • Método evolutivo;
  • Método da capitalização da renda.

Métodos para identificar o custo de um bem:

  • Método da quantificação de custo.
  • Método comparativo direto de custo;

Método comparativo direto de dados de mercado

A NBR 14.653-2 recomenda que este método seja adotado sempre que possível. O método consiste em compor e tratar os dados de uma amostra representativa de dados de mercado de imóveis com características semelhantes às do imóvel avaliando, ou seja, uma amostra composta por outros imóveis da mesma tipologia do imóvel avaliando (apartamento, casa, loja, etc).

Identificação das variáveis do modelo

Para o planejamento da pesquisa de mercado que irá compor a amostra representativa é necessário identificar as variáveis do modelo, que serão relevantes para explicar a formação de valor do bem avaliando.

Existem dois tipos de variáveis: a variável dependente e as variáveis independentes.

Variável dependente

Uma variável dependente representa uma grandeza cujo valor depende do comportamento da(s) variável(is) independente(s). No caso da avaliação de um imóvel pode se referir, por exemplo, ao seu preço unitário de venda.

Para a especificação correta da variável dependente é necessária uma investigação no mercado em relação à sua conduta e às formas de expressão dos preços, bem como observar a homogeneidade nas unidades de medida.

Variáveis independentes

As variáveis independentes referem-se a características conhecidas do imóvel avaliando e dos imóveis que compõem a amostra. No modelo, o comportamento destas variáveis deve explicar o comportamento da variável dependente, cujo valor consistirá no resultado da avaliação.

Estas variáveis independentes referem-se a características físicas (idade, área, testada, etc), de localização (bairro, logradouro, distância a polo de influência, dentre outros) e econômicas (tipo de transação, época e condições do negócio, etc).

As variáveis devem ser escolhidas com base em teorias existentes, conhecimentos adquiridos, senso comum e outros atributos que se revelem importantes, dado que algumas variáveis independentes escolhidas podem se mostrar pouco relevantes para a explicação do comportamento da variável dependente.

É recomendada a adoção de variáveis quantitativas sempre que possível, sendo que as diferenças qualitativas nas características dos imóveis podem ser expressas das seguintes formas:

  • Por meio de variáveis dicotômicas (“maior que” ou “menor que”, “sim” ou “não”, etc);
  • Pelo emprego de variáveis proxy, ou representantes (por exemplo, utilizar o CUB - Custo Unitário Básico para representar padrão construtivo);
  • Por meio de códigos ajustados, quando os valores são extraídos com a utilização de variáveis dicotômicas;
  • Através de códigos alocados (padrão construtivo baixo = 1, normal = 2 e alto = 3, por exemplo).

Tratamento dos dados

Existem duas formas de tratamento dos dados abordados pela norma: o tratamento por fatores e o tratamento científico.

Tratamento por fatores

O tratamento dos dados por fatores de homogeneização é possível de ser aplicado quando dispomos de uma amostra composta por dados de mercado de imóveis não apenas da mesma tipologia, mas também com características o mais próximas possível do imóvel avaliando.

Esses fatores, que são as variáveis dependentes do modelo, devem ser calculados por metodologia científica, justificados do ponto de vista teórico e prático no Laudo de Avaliação, e devem também ser indicados periodicamente pelas entidades técnicas regionais reconhecidas, bem como universidades ou entidades públicas, além de especificar claramente a região para a qual são aplicáveis. Também podem ser deduzidos ou referendados pelo próprio arquiteto ou engenheiro, desde que a metodologia, a amostragem e os cálculos que lhe deram origem sejam anexados ao Laudo de Avaliação.

Nós tratamos especificamente sobre este tratamento de dados em nosso artigo sobre Tratamento por fatores passo a passo.

Tratamento científico

O tratamento científico dos dados utiliza evidências empíricas pelo uso de metodologia científica que leve à indução de modelo validado para o comportamento do mercado, em geral será utilizado com amostras representativas que sejam maiores e menos homogêneas do que aquelas utilizadas para o tratamento por fatores, porém sempre composta por imóveis da mesma tipologia.

A NBR 14.653-2 detalha e especifica o modelo de regressão linear múltipla, mas menciona que outras ferramentas analíticas para indução do comportamento do mercado, tais como regressão espacial, análise envoltória de dados e redes neurais artificiais podem ser aplicadas, desde que devidamente justificadas do ponto de vista teórico e prático, com a inclusão de validação, quando pertinente.

Campo de arbítrio

O campo de arbítrio é o intervalo com amplitude de 15% para mais ou para menos em torno da estimativa de tendência central utilizada na avaliação, e pode ser utilizado quando variáveis relevantes não tiverem sido contempladas no modelo, por escassez de dados de mercado, por inexistência de fatores de homogeneização aplicáveis ou porque estas variáveis não se apresentaram estatisticamente significantes nos modelos de regressão, desde que a amplitude de até mais ou menos 15% seja suficiente para absorver as influências não consideradas, caso contrário, o modelo será considerado insuficiente para que a avaliação possa atingir o grau mínimo de fundamentação no método comparativo direto de dados de mercado.

Método involutivo

É utilizado principalmente para avaliação de terrenos, sobretudo nos casos em que não há amostra representativa suficiente de imóveis da mesma tipologia com características minimamente similares para adoção do método comparativo. Por exemplo, em bairro consolidado, onde terrenos desocupados são escassos ou ainda no caso de terrenos que possuem Outorga Onerosa do Direito de Construir, o que torna sua comparação direta com outros terrenos mais difícil, ou mesmo inviável, dentre outros casos.

O método consiste na avaliação do imóvel com base no seu aproveitamento eficiente, a partir de um projeto hipotético de empreendimento imobiliário.

O método envolve, além do projeto hipotético, a pesquisa de valores que irá estimar o valor de mercado do produto imobiliário hipotético - e consequentemente as receitas do modelo - e deve seguir os preceitos do método comparativo direto de dados de mercado, os custos de produção do produto imobiliário hipotético, despesas adicionais, margem de lucro do incorporador, prazos e taxas.

Os dados devem alimentar um modelo de estudo de viabilidade técnico-econômica que pode ser estático, dinâmico simplificado ou por fluxos de caixa específicos.

Método evolutivo

Este método identifica o valor do bem pelo somatório do valor de seus componentes, e consiste na composição do valor obtido através da conjugação de métodos, a partir do valor do terreno, considerados o custo de reprodução das benfeitorias devidamente depreciado e o fator de comercialização.

Para utilização do método, o valor do terreno deve ser determinado segundo os preceitos do método comparativo direto de dados de mercado, as benfeitorias devem ser apropriadas a partir do método comparativo direto de custo ou método da quantificação de custo, e o fator de comercialização deve ser levado em conta, admitindo-se que pode ser maior ou menor que a unidade, conforme o conjuntura do mercado na época da avaliação.

Método da capitalização da renda

É o método recomendado nas avaliações de empreendimentos de base imobiliária (hotéis, shopping centers, etc), mas também pode ser utilizado na determinação do valor de mercado em situações onde não existam condições da aplicação do método comparativo direto ou evolutivo ou, alternativamente, quando a finalidade da avaliação seja a identificação do valor econômico.

Este método apropria o valor do imóvel e de suas partes constitutivas com base na capitalização presente de sua renda líquida, real ou prevista.

O método envolve a estimação das receitas e despesas em função do imóvel avaliando - no caso de receitas previstas pode-se seguir os preceitos do método comparativo direto de dados de mercado -, a montagem do fluxo de caixa com base em um modelo de estudo de viabilidade técnico-econômica e o estabelecimento de uma taxa mínima de atratividade em função dos investimentos alternativos existentes no mercado de capitais e dos riscos do negócio

O valor máximo estimado para o imóvel é representado pelo valor atual do fluxo de caixa, descontado pela taxa mínima de atratividade.

Método da quantificação de custo

É o método utilizado para identificar o custo de reedição de benfeitorias, e pode ser apropriado por custo unitário básico de construção ou por orçamento analítico.

A utilização do Custo Unitário Básico - CUB envolve o cálculo da área equivalente de construção, em consonância com o previsto na ABNT NBR 12.721, e então a estimação do custo de construção através da fórmula de majoração do CUB prevista na ABNT NBR 14.653-2, uma fórmula que leva em conta, além do CUB, o orçamento de elevadores, o orçamento de instalações especiais (geradores, sistemas de proteção, urbanização, etc), o orçamento de fundações especiais, a taxa de administração da obra, os custos financeiros, o lucro ou remuneração do construtor e a área equivalente de construção.

A utilização de orçamento analítico envolve levantamento dos quantitativos e pesquisa de custos unitários de materiais, com identificação das fontes, conforme modelo sugerido pela ABNT NBR 12.721 e também deve ser considerado o cálculo da depreciação física para o custo de reedição da benfeitoria.

Método comparativo direto de custo

A utilização deste método deve considerar uma amostra composta por imóveis de projetos semelhantes, que possuam dados da composição de seus custos, a partir da qual são elaborados modelos que seguem os mesmos procedimentos do método comparativo direto de dados de mercado.

Conclusão

Este é o conjunto metodológico disponibilizado pela ABNT NBR 14.653-2 para avaliação de imóveis urbanos. O artigo seguinte da série trata das etapas lógicas que compõem a estrutura básica de um processo de avaliação e os artigos subsequentes abordarão cada um dos métodos tratados aqui.

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Principais referências