Este artigo trata das 9 etapas lógicas que compõem a estrutura básica do processo de avaliação de imóveis urbanos

O artigo anterior foi o primeiro desta série sobre avaliação de imóveis urbanos e abordou os aspectos relacionados às normas e à metodologia, além de trazer uma introdução conceitual.

Nesta segunda parte abordamos o que considero ser as 9 etapas lógicas que compõem a estrutura básica de um processo de avaliação de imóveis urbanos, qualquer que seja a metodologia adotada.

Nos textos seguintes abordaremos os aspectos específicos de cada um dos métodos detalhados pela ABNT NBR 14.653-2, de modo que o conjunto dos artigos se configurem como um guia passo a passo.

Avaliação de imóveis urbanos em 9 etapas

Sumário do artigo

Introdução

Como já foi tratado na introdução do artigo anterior, a avaliação de imóveis é uma aplicação de ciência de dados, o que significa que, em linhas gerais, o processo consiste em coletar e tratar dados e então produzir informação que seja capaz de subsidiar decisões, o que requer que o processo seja estruturado (ABUNAHMAN, 2008; NASSER JÚNIOR, 2019).

Ainda que a norma detalhe pelo menos 6 métodos diferentes para a avaliação de imóveis (que se multiplicam, se considerarmos os diferentes tipos de tratamento e os métodos que são conjugações de outros métodos), a serem escolhidos em função da compatibilidade com o bem avaliando, da finalidade e da disponibilidade de dados, existe uma estrutura básica comum para o processo.

As 9 etapas que abordaremos aqui são mais lógicas que cronológicas, o que significa que a ordem de execução de algumas destas etapas pode variar conforme o caso, e algumas podem ser parcialmente simultâneas. Esta também não é a única maneira possível de organizar e estruturar o trabalho, mas é a maneira que utilizamos e que considero simples e completa, como uma espécie de roteiro lógico para o trabalho.

As 9 etapas

As etapas se dividem em 3 partes: uma parte inicial que será comum a qualquer metodologia adotada e consiste essencialmente numa compreensão e contextualização do bem avaliando; uma parte principal, que se desdobrará de forma diferente conforme a metodologia adotada; e uma parte final, também comum aos diferentes métodos, que consiste na finalização do processo e do laudo em si.

  • Parte inicial
    • Etapa 1: Definição de finalidade, objetivo e prazo
    • Etapa 2: Análise da documentação
    • Etapa 3: Vistoria do imóvel
    • Etapa 4: Diagnóstico de mercado
  • Parte principal
    • Etapa 5: Escolha da metodologia
    • Etapa 6: Pesquisa de dados
    • Etapa 7: Tratamento dos dados
    • Etapa 8: Especificação da avaliação
  • Parte final
    • Etapa 9: Formatação do laudo

Parte inicial

A parte inicial consiste nas etapas nas quais o avaliador define e compreende o bem avaliando e o contextualiza. Os dados e informações reunidos e organizados nesta parte do trabalho subsidiarão escolhas a serem feitas pelo próprio profissional na parte principal da avaliação.

Etapa 1: Definição de finalidade, objetivo e prazo

Esta primeira etapa define o escopo da avaliação. Estas definições são requisitos do solicitante do serviço e, caso este não tenha isso já formulado em sua mente, cabe ao avaliador esclarecer junto a este proponente cada um destes pontos.

Uma avaliação imobiliária é um processo que produz informação a partir do tratamento de dados (de mercado, principalmente), esta informação consiste em uma estimativa de valor ou de custo. A finalidade é o uso que se pretende dar a esta informação, que podem ser decisões relacionadas a locação, comodato, aquisição, doação, alienação, dação em pagamento, permuta, garantia, fins contábeis, seguro, arrematação, adjudicação, indenização, tributação, processos judiciais e outros.

O objetivo refere-se ao tipo de informação que deve ser produzida, que pode ser valor de mercado, valor patrimonial, valor econômico, valor de liquidação forçada, valor de desmonte, custo de reedição, indicadores de viabilidade, etc.

O prazo para apresentação do laudo, por sua vez, é um fator limitante relevante a ser considerado e que pode influenciar escolhas importantes no processo avaliatório, como por exemplo a definição da metodologia ou tipo de tratamento de dados.

Etapa 2: Análise da documentação

A regularidade de toda a documentação do imóvel não é apenas um fator essencial para a segurança do mesmo e garantia de uma operação financeira possível como também é fonte fundamental de informação para o arquiteto ou engenheiro avaliador.

Débitos de Impostos, gravames de áreas de preservação, servidões de acesso, áreas encravadas, entre outros, são elementos que impactam diretamente nas condições de aproveitamento do imóvel e/ou no seu valor em si.

Cabe ao profissional avaliador solicitar ao interessado ou contratante o fornecimento da documentação relativa ao bem, para a realização do trabalho. Todavia, não é responsabilidade do avaliador analisar a legitimidade jurídica desta documentação, nem a realização de estudos, auditorias, exames, medições e inspeções prévias ao desenvolvimento da avaliação.

Se for impossível o fornecimento de toda a documentação necessária ou o esclarecimento de eventuais incoerências, o profissional avaliador deve analisar a possibilidade de realizar a avaliação e, caso caso julgue possível, deixar claramente expressas as ressalvas relativas a esta insuficiência ou incoerência, bem como os pressupostos assumidos em função destas limitações.

Etapa 3: Vistoria do imóvel

O profissional responsável deve realizar a vistoria do bem avaliando com o objetivo de conhecê-lo e caracterizá-lo.

Deve ser feita a caracterização da região quanto a condições econômicas, políticas e sociais, aspectos físicos, uso e ocupação do solo, infraestrutura urbana, atividades existentes e equipamentos comunitários. Terrenos devem ser caracterizados quanto a localização, utilização atual e vocação, aspectos físicos, infraestrutura urbana disponível, restrições e aproveitamento. E edificações ou benfeitorias devem ser analisadas quanto a aspectos construtivos, arquitetônicos, adequação em relação à região e condições de ocupação, além de estado de conservação, considerando patologias aparentes, como anomalias, avarias, danos construtivos, etc. (MARQUES, 2015)

A ABNT NBR 16.747, publicada em 2020, estabelece diretrizes, conceitos, terminologia e procedimentos para inspeções prediais. Além disso, a Norma de inspeção predial nacional do IBAPE também fixa diretrizes, conceitos, terminologia, convenções, notações, critérios e procedimentos relativos ao tema.

Publicamos um artigo sobre Engenharia Disgnóstica no qual abordamos aspectos conceituais e normativos relacionados e vistorias, inspeções e outras ferramentas diagnósticas.

É essencial que o relatório descritivo da vistoria seja acompanhado de relatório fotográfico.

Em casos excepcionais, quando a vistoria for impossível ou inviável é possível a adoção de situação paradigma, desde que acordada entre as partes e explicitada no laudo.

Etapa 4: Diagnóstico de mercado

O processo de avaliação também precisa considerar, a partir de uma análise sucinta, o mercado imobiliário no qual a propriedade se encontra e, tanto quanto possível, relatar a estrutura, a conduta e o desempenho deste mercado, além do cenário econômico atual, com a principal finalidade de identificar e indicar, no laudo, as condições de liquidez do bem avaliando.

Parte principal

Definido e contextualizado o bem avaliando, nesta parte se executa o processo avaliatório de fato, ou seja, a coleta e tratamento dos dados e a construção da informação.

Conforme a metodologia adotada, esta parte do processo avaliatório pode divergir bastante e os artigos subsequentes abordarão cada um dos métodos e se concentrarão nesta parte principal do processo, que aqui será tratada de forma mais sucinta.

Ainda que os dados a serem coletados e a forma como são processados sejam diferentes em cada método, de certa forma seguem sempre estas quatro etapas lógicas que abordamos a seguir.

Etapa 5: Escolha da metodologia

A metodologia é escolhida em função, basicamente, da natureza do bem avaliando (por exemplo, conforme mencionado no artigo anterior, terrenos em áreas consolidadas ou com outorga onerosa do direito de construir podem inviabilizar a aplicação do método comparativo e sugerir a adoção do método involutivo), da finalidade e objetivo da avaliação (por exemplo, a necessidade de estimar o valor econômico pode exigir a utilização do método da capitalização da renda) e da disponibilidade, qualidade e quantidade de dados de mercado disponíveis (por exemplo, amostras menores e mais homogêneas são compatíveis com o tratamento por fatores enquanto amostras maiores e mais heterogêneas conduzem ao tratamento científico dos dados).

A escolha deve ser justificada e ater-se ao estabelecido na ABNT NBR 14.653, ainda que seja possível a utilização de métodos não detalhados pela norma, desde que descritos e fundamentados no laudo, e sempre com o objetivo de retratar o comportamento do mercado por meio de modelos que suportem racionalmente o comportamento do valor.

Etapa 6: Pesquisa de dados

Definida a metodologia, deve ser feita a pesquisa de dados. Na verdade, para ser mais preciso, conforme já foi mencionado, estas 9 etapas são lógicas não necessariamente cronológicas, e a disponibilidade dos dados é um dos elementos em função dos quais a metodologia será escolhida, de modo que uma pesquisa, ainda que preliminar, pode já ter sido necessária antes da escolha da metodologia.

Tipos de dados

No caso do método comparativo direto de dados de mercado, os dados a serem levantados na pesquisa são aqueles que irão compor a amostra representativa de imóveis da mesma tipologia do imóvel avaliando. Como também já foi tratado, no caso do tratamento de dados por fatores de homogeneização, é importante que os elementos da amostra tenham características o mais próximas possível do bem avaliando, ainda que a amostra possa ser menor, 15 ou 20 elementos são suficientes em grande parte dos casos, já no caso do tratamento científico, particularmente com a utilização do modelo de regressão linear múltipla, a amostra pode ser mais heterogênea (dentro da mesma tipologia) porém maior, em geral mais de 60 elementos, eventualmente centenas.

No caso do método evolutivo, o valor de mercado estimado para o projeto hipotético deve seguir os preceitos do método comparativo e a amostra representativa deve ser composta por elementos da mesma tipologia deste projeto hipotético. Além disso, também deve ser realizada pesquisa relativa a custos e despesas de construção e indicadores econômicos que irão alimentar o modelo de viabilidade. O mesmo acontece com o método da capitalização da renda, que também pode utilizar um modelo de viabilidade para estimar os fluxos de caixa e precisará dos mesmos indicadores econômicos para alimentá-lo e para estimar a taxa mínima de atratividade, além da possibilidade de adoção do método comparativo em caso de utilização de receitas estimadas, cuja amostra representativa deve ser composta, neste caso, por empreendimentos comparáveis ao bem avaliando.

O método comparativo direto de custo utiliza os mesmos procedimentos do método comparativo direto de dados de mercado, com a amostra representativa a ser levantada sendo composta por imóveis cujos projetos sejam semelhantes ao projeto do bem avaliando e que possuam dados da composição de seus custos de construção.

Para o método da quantificação de custos os dados a serem pesquisados são aqueles relativos a custos e despesas de construção.

O método evolutivo, por fim, é uma conjugação de outros métodos. Neste método a apropriação do valor do terreno deve utilizar o método comparativo com a amostra representativa sendo composta por elementos comparáveis ao terreno do bem avaliando (sem benfeitorias), enquanto o valor das benfeitorias será estimado com a utilização de um dos dois métodos para identificação de custo, tratados nos parágrafos anteriores.

Coleta dos dados

Existem diversas formas de se fazer isso e diferentes instrumentos de coleta de dados, desde os mais tradicionais como fichas, planilhas, roteiros de entrevistas, entre outros, até a pesquisa virtual em sites especializados ou mesmo procedimentos automatizados como Web Scraping, que é uma forma de minerar dados em sites da web e convertê-los em informação estruturada para posterior análise. Produziremos artigos mais específicos a respeito destas técnicas no decorrer desta série, fique atento.

É fundamental ater-se aos critérios estabelecidos pela ABNT NBR 14.653, como diversificação das fontes, indentificação, detalhamento e verificação dos dados. A quantidade e qualidade dos dados de mercado é um dos elementos que mais impacta no grau de fundamentação da avaliação.

Etapa 7: Tratamento dos dados

Esta etapa é absolutamente específica de acordo com a metodologia adotada e será tratada detalhadamente nos artigos subsequentes que abordarão o passo a passo da elaboração de um laudo conforme cada método.

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Etapa 8: Especificação da avaliação

As avaliações podem ser especificadas quanto à fundamentação e quanto à precisão.

A fundamentação é função do aprofundamento do trabalho avaliatório, envolvendo a seleção da metodologia em razão da confiabilidade, qualidade e quantidade de dados disponíveis, enquanto a precisão representa o grau de certeza e o nível de erro tolerável em uma avaliação, e depende da natureza do bem, do objetivo da avaliação, da conjuntura de mercado, da abrangência dos dados coletados, da metodologia e dos instrumentos utilizados.

A ABNT NBR 14.653 atribui graus para fundamentação e para precisão em ordem numérica e crescente, onde o grau I é o menor e o grau III é o maior. O grau de fundamentação atingido deve ser explicitado no corpo do laudo e se o grau mínimo I não for atingido devem ser indicados e justificados os itens que não puderam ser atingidos e os procedimentos e cálculos utilizados para identificar o valor.

O contratante ou solicitante da avaliação pode requerer previamente o grau de fundamentação desejado com o objetivo de determinar o empenho no trabalho avaliatório, ao passo que o grau de precisão, dependente das características do mercado e da amostra, não pode ser fixado a priori.

A ABNT NBR 14.653 parte 2 possui tabelas e parâmetros para o estabelecimento dos graus de precisão e fundamentação de avaliações que utilizam os métodos comparativo direto de dados de mercado, comparativo direto de custo, de quantificação e custo, evolutivo e involutivo. Avaliações que utilizam o método da capitalização da renda podem ser especificadas a partir da parte 4 da norma ou então adotar os critérios de especificação para o método comparativo e para o método evolutivo caso utilize estes dois métodos para, respectivamente, estimar as receitas e os fluxos de caixa.

Parte final

Finalizado o processo avaliatório, com o resultado atingido, é necessário formatar e apresentar o Laudo Técnico de Avaliação, que é um documento que possui padrões e requisitos mínimos a seguir.

Etapa 9: Formatação do laudo

Não existe um único modelo fixo e rígido para o Laudo de avaliação, cada arquiteto ou engenheiro avaliador pode adicionar informações específicas e apresentá-las de uma determinada maneira. Cada caso e contexto também podem exigir ou sugerir informações ou formatos diversos.

Todavia, a ABNT NBR 14.653-2 determina que um Laudo de Avaliação Completo deve conter, no mínimo, os seguintes itens:

  1. identificação do solicitante;
  2. finalidade do laudo, quando informada pelo solicitante;
  3. pressupostos, ressalvas e fatores limitantes;
  4. identificação e caracterização do imóvel avaliando;
  5. diagnóstico de mercado;
  6. indicação do(s) método(s) e procedimento(s) utilizado(s);
  7. especificação da avaliação;
  8. planilha com os dados utilizados;
  9. descrição das variáveis do modelo com a definição do critério de enquadramento de cada uma das características dos elementos amostrais (no caso de método comparativo direto de dados de mercado);
  10. tratamento dos dados e identificação dos resultados;
  11. resultado da avaliação e sua data de referência;
  12. qualificação legal completa e assinatura do(s) profissional(is) responsável(is) pela avaliação.
  13. outros requisitos previstos na norma, conforme o caso.

A norma também prevê um Laudo de Avaliação Simplificado que deve possuir, ainda que de forma resumida, no mínimo os itens a até h e k da lista acima.

De acordo com o grau de fundamentação também pode ser necessária a inclusão de anexos, tais como: documentação dominial, fotografias do imóvel avaliando, plantas, identificação dos dados de mercado, memória de cálculo ou relatórios originais dos softwares aplicativos utilizados.

Conclusão

Estas são as 9 etapas lógicas que compõem a estrutura básica de um processo de avaliação de imóveis urbanos. Os artigos subsequentes abordarão o passo a passo de cada um dos métodos, detalhando as etapas que compõem a parte principal do processo conforme definimos aqui.

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Principais referências